Angola e o debate constitucional

A discussão ainda não começou, mas, apesar disso, algumas vozes têm-se apressado a exprimir o receio de que a futura Constituição tenha a “cara do MPLA”. Teoricamente, esse receio pode fazer sentido, em virtude do tamanho da maioria obtida pelo partido no poder nas últimas eleições legislativas. Contudo, até agora, nenhum facto sustenta esse receio. Por isso, o mesmo tem de ser entendido à luz da luta política subjacente a todo o debate constitucional.

Como membro da Comissão Constitucional, não seria ético, da minha parte, entrar publicamente nos detalhes de um debate que está agora a começar. O que pretendo é tão-somente partilhar o apelo do Observatório Político-Social Angolano (OPSA) para que esse debate seja o mais amplo e aberto possível, em todos os aspectos.

Assim, parece essencial não ir para o debate com ideias pré-concebidas, evitando, pois, a tentação de transformar em dogmas certas opções constitucionais. A única coisa “sagrada” a preservar será o carácter rigorosamente democrático das soluções que vierem a ser adoptadas. O direito comparado aí está para mostrar que, no interior da democracia representativa, há várias fórmulas possíveis.

O ideal é que tais fórmulas sejam definidas o mais consensualmente possível (mas também sem tentativas de bloqueio). Para isso, pede-se abertura política e mental, objectividade, realismo, paciência, sentido de Estado e visão de longo prazo, por parte dos constituintes. Além disso, a discussão precisa de ser alargada a toda a sociedade.

Na verdade, esta será a primeira Constituição verdadeira da história de Angola. Até agora, o país tem vivido praticamente de transição em transição, mas espera-se que, com o advento da 3ª República, o mesmo entre na sua normalidade definitiva. Por essa razão, a discussão constitucional precisa de tempo. Não se trata apenas, como já ouvi certas vozes afirmar, de fazer uns “remendos” à actual Lei Constitucional.

Desse debate devem participar todos os angolanos. Na minha opinião pessoalíssima, esse é um assunto exclusivamente angolano. Estranhei, por isso, a decisão do maior partido da oposição de apresentar o seu anteprojecto aos embaixadores estrangeiros acreditados no país. A não ser que me esteja a escapar alguma coisa, achei isso despropositado, no mínimo.

Angola-EUA

De acordo com as informações disponíveis, a visita do ministro angolano das Relações Exteriores, Assunção dos Anjos, aos Estados Unidos foi extremamente positiva. Essa impressão foi reforçada pela maneira como decorreu, em Luanda, o seminário entre empresários americanos e angolanos, na mesma altura em que o ministro estava em Washington.

Ultrapassados que parecem estar os antagonismos do passado – na maior parte dos casos, baseados em equívocos mútuos – e 16 anos depois do reconhecimento formal de Angola pelos EUA, a ideia, assumida por ambos, é ampliar e reforçar os laços de cooperação entre os dois países, indo para além das relações no domínio da indústria petrolífera (as quais, curiosamente, se mantiveram mesmo quando não havia relações diplomáticas entre eles).

O presidente da Agência Nacional do Investimento Privado (ANIP), Aguinaldo Jaime, que acompanhou o ministro das Relações Exteriores na sua viagem, observou – e bem – que o investimento não-petrolífero americano em Angola é muito diminuto. Estou de acordo, obviamente, que Angola use a diplomacia económica para atrair mais investimentos americanos importantes fora do petróleo. Porém, isso não basta.

As autoridades têm um dever de casa a fazer, em termos de ambiente de negócios. Por exemplo, questões como a burocracia ou a corrupção são especialmente sensíveis aos investidores americanos. Sem falar da maka dos vistos, que ninguém consegue (ou quer) descomplicar.

Como se sabe, o pragmatismo é um traço fundamental da cultura americana. Ou seja, não basta só papo.

*João Melo, jornalista, parlamentar e escritor angolano.
*Artigo reproduzido de Africa 21, com autorização.
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