A ausência de uma rede de transporte intra-africana é um obstáculo à integração regional e ao desenvolvimento

Dr. Gary K. Busch, de nacionalidade norte-americana, é especialista em política africana e possui vasto conhecimento em negócios nesse continente. Além da experiência como professor e responsável por Departamento na Universidade do Havaí, ele presta consultoria a várias companhias de transporte e logística que operam em escala mundial. Ele foi igualmente Diretor de Pesquisa em importante sindicato norte-americano e Secretário Geral Assistente de uma organização sindical internacional. O site francês Terangaweb o entrevistou com vistas a sólida análise baseada em experiência prática.

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Azulnocturnal

Nº 31, OUTUBRO DE 2011. EM ANÁLISE POLÍTICA, CURSO, UNIÃO AFRICANA

Terangaweb: O senhor pode nos falar mais sobre a sua experiência na África?

G.K. Busch: Comecei a descobrir a África em 1968. Viajei para lá várias vezes, principalmente no corpo das missões que me eram confiadas. Trabalhei igualmente para governos africanos. Iniciei no Movimento de Trabalhadores Africanos no seio da Unidade Internacional para o Desenvolvimento dos Sindicatos Africanos. Ademais eu lhes fornecia medicamentos, vacinas etc. Quando, por exemplo, os membros do Movimento de Libertação de Guiné-Bissau chegaram aos Estados Unidos, eu os acolhi. Resumindo, eu trabalhei com a África durante anos.

Terangaweb: O senhor é consultor de várias empresas de transporte e de logística em operação na África. Em que medida pensa que as infraestruturas de transporte, assim como todos os serviços a elas ligados, têm um papel de melhoria da situação econômica?

G. K. Busch: A África é um vasto continente pleno de riquezas, mas que padece com uma rede de transporte muito deficitária a qual não liga os diferentes centros comerciais entre si. Essa falta de integração entre os centros de comércio internacional representa pesado fardo para os exportadores africanos e gera uma situação onde enorme percentual do preço da venda de produtos africanos no marcado mundial é destinado a cobrir os custos de transporte. Nas nações desenvolvidas, os custos de transporte e de seguro representam aproximadamente 5,5% a 5,8% do preço da mercadoria no ato da entrega. Em alguns países africanos esses custos de transporte e de seguro chegam a quase 80% do custo dos produtos oferecidos nos mercados mundiais. E, considerada a ausência de infraestrutura mais desenvolvida de transporte intra-africano, esses 80% do preço da mercadoria para os mercados mundiais são pagos a companhia estrangeiras e em dólares. Essa dependência do pagamento externo resulta também num impacto sobre o mercado de divisas.

Assim se o preço de mercado de um produto é determinado pelo preço de chegada e este é o preço CIF (Cost, Insurance and Freight = Custo, Seguro e Frente), e se considerando que o custo do transporte e do seguro atinge também elevado percentual do preço, isso força o exportador africano a reduzir seu preço FOB (Free On Board ouFreight On Board = preço do produto, da sua fabricação até a chegada no navio cargueiro) para compensar a diferença. Por exemplo, se a tonelada do minério de manganês é vendida a $ 250 CIF para o Leste europeu, e os custos de transporte chegam a $ 60 por tonelada, então o preço FOB máximo de uma tonelada de minério de manganês pode ser superior a $ 190. O preço do transporte e do seguro escapa ao controle do exportador africano e este fica à mercê das taxas de frete, estas sempre mais elevadas.

Outro aspecto importante a salientar reside no fato de que a estruturação das redes de transporte e a consequente internacionalização da construção da infraestrutura de transporte internacional representa a manutenção dos grilhões entre os países africanos e as antigas potências coloniais, ou seja, entre a África anglófila e a Grã-Bretanha, bem como entre a África francófila e a França e a África lusófila e Portugal etc. O tráfego Norte-Sul é a via de transporte mais utilizada na África; a rota entre a África Oriental e a África Ocidental é quase desconhecida. O Leste europeu continua absorvendo cerca de 50% das exportações africana. Contudo a degradação das condições comerciais gerou anomalias como o envio de novos produtos de origem sul africana para a Europa que, lá chegando, são reenviados à África Oriental.

O tabaco também segue esse tipo de rota. Quando Malawi quer vender tabaco ao Senegal, esta mercadoria é inicialmente enviada à Grã-Bretanha ou à França, para depois voltar ao Senegal. Isso resulta em alto custo, porém menor do que o do envio direto para o Senegal.

Terangaweb: As companhias de transporte e de logística se articulam para participar do desenvolvimento das infraestruturas de transportes?

K. G. Busch: Não, pois são controladas pelos governos, e em certos casos pela França; tanto no caso do transporte aéreo (Air Afrique, Air Gabon etc.) como no do transporte marítimo.

Terangaweb: Quais são as críticas do senhor à política externa da França na África?

G. K. Busch: Este é o maior dos problemas das nações africanas. Na hora em que elas devem aprender a se organizar de maneira totalmente independente, a França surge como impedimento. Elas possuem uma bandeira, um hino nacional, uma sede nas Nações Unidas... E é tudo.

Anteriormente todos os funcionários eram franceses; eles gerenciavam tudo, controlavam todos os mercados; todo o fluxo de mercadorias passava por eles. Ainda hoje, mesmo fora dos cargos funcionários oficiais, eles continuam com o domínio da situação, pois se encontram no comando dos postos-chaves. O único homem que reverteu esse estado de coisas foi Sékou Touré, primeiro Presidente da Guiné Conakry, depois de organizar um referendo. A França voltou para retomar tudo, a sua infraeestrutura inteira, chegando mesmo a desmontar todos os seus portos e a confiscar todo esse material. Nessa época, início dos anos 60, os outros presidentes herdeiros das antigas colônias francesas, como Houphouët-Boigny, assinaram o Pacto Colonial. Até hoje tais nações têm suas bandeiras, mas nenhuma independência.

Também quando exportávamos cacau para a Libéria e desejávamos comprá-lo na Costa do Marfim não podíamos entrar nos navios atracados, pois os franceses nos impediam. Era preciso negociar com os agentes, com os transportadores e com as empresas francesas. Esses problemas só acontecem nas zonas onde se fala o francês. Quem deseja fechar negócio na África francófila deve, para tanto, obter a permissão de empresas francesas.
Na Costa do Marfim os franceses são vistos retomando suas atividades, ainda que se sintam ameaçados. O patronato francês, dominante até 2006, é hoje reembolsado pelo governo de Outtara pelas perdas sofridas durante a guerra civil. Além disso a maior parte das pessoas que vêm negociar no país não conseguem fazer grandes coisas, pois a França apoia os nortistas que se apropriam do mundo dos negócios.

Terangaweb: O senhor acredita que, ainda assim, é possível a integração regional na África?

G. K. Busch: Certamente. A UEMOA (Union Economique et Monétaire Ouest-Africaine = União Econômica e Monetária dos Estados da África Ocidental), a União Africana, a União Aduaneira da África Austral são todas instituições que desempenham importante papel. O problema reside em que nada do que se compra na África é produzido nela. A África do Sul produz quantidade significativa de bens de consumo, porém estes não são exportados para o próprio continente. É preciso multiplicar as trocas internas para se criar assim uma dinâmica regional.

Por outro lado a questão energética também é primordial. Sem o fornecimento ininterrupto de eletricidade não é possível haver fábricas e produção. O déficit energético bloqueia o desenvolvimento. A classe média é a base do progresso e a falta de energia impede que essa classe se desenvolva e desempenhe seu papel. No continente africano é encontrada imensa quantidade de petróleo, porém todo ele é exportado. Durante anos a Nigéria recebeu ajuda para abastecimento em combustíveis. O petróleo sai em quantidades igualmente grandes da Argélia para beneficiamento nas refinarias estrangeiras. Em seguida a mesma Argélia compra o próprio petróleo das refinarias estrangeiras.

Entrevista realizada por Awa Sacko

Tradução do francês para o português por Attila Blacheyre, UnB – Universidade de Brasília