O Cinismo e as Ambiguidades dos “futuros arrependidos”

Há cerca de dois anos atrás, os guineenses foram “cativados” pelas obras de construção de vias urbanas em Bissau. Fizeram-se estradas com semáforos, passagens superiores para peões, iluminação pública, sinalização e tudo o mais, a condizer com a imagem moderna de uma via de trânsito da actualidade. Nessa mesma altura, um blogue de um guineense, transformou aquele grande empreendimento rodoviário (nunca visto no país) numa grande comédia, pelo facto de os semáforos, de vez em quando sofrerem descargas eléctricas e também devido às interrupções eléctricas.

Há cerca de dois anos atrás, os guineenses foram “cativados” pelas obras de construção de vias urbanas em Bissau. Fizeram-se estradas com semáforos, passagens superiores para peões, iluminação pública, sinalização e tudo o mais, a condizer com a imagem moderna de uma via de trânsito da actualidade. Nessa mesma altura, um blogue de um guineense, transformou aquele grande empreendimento rodoviário (nunca visto no país) numa grande comédia, pelo facto de os semáforos, de vez em quando sofrerem descargas eléctricas e também devido às interrupções eléctricas.

Quando nas vésperas da campanha eleitoral de 2012, o então Ministro do Comercio, Botche Candé, fez o lançamento das obras de reparação de uma estrada do interior do país, este acontecimento mereceu atenção especial de um blogue de um conterrâneo nosso, que classificou esta acção de lançamento da obra (com cobertura da comunicação social), como sendo uma pura propaganda eleitoral.

Para o autor deste blogue, o Sr. Ministro Botche Cande não passava de “um ministro analfabeto”, como se alguém não merecesse o reconhecimento e elogio do seu trabalho útil para as populações, sobretudo quando faz um trabalho bem feito!

Não deixa de ser triste e lamentável, verificarem comportamentos destes, resultantes de tanta alienação cultural que vai permanecendo na cabeça de muitos guineenses. Devemos sim, apoiar sempre, sem preconceito de quem faz o bem, independentemente do facto de ser ”analfabeto”, não licenciado ou outro.

Estes e outros aspectos negativos de alguns “intelectuais” guineenses (leia-se formados) tentaram minar um esforço nobre do governo dessa altura. Infelizmente, esta não é uma atitude nova na nossa querida República da Guiné-Bissau.

Quando nos anos 80 a Orquestra Super Mama Djombo estava no seu auge, participando nos festivais internacionais, ganhando prémios e erguendo mais alto a nossa Bandeira Nacional por este mundo fora, muitos diziam que o grupo não passava de uma máquina de propaganda do PAIGC. Felizmente hoje, ninguém tem a mínima dúvida de que por tudo aquilo que os elementos deste agrupamento têm feito e continuam fazendo, são autênticos embaixadores da nossa cultura no mundo fora, colocando no auge o bom-nome da Guiné-Bissau. Até hoje, é de louvar e honrar um trabalho destes, independentemente de os seus elementos na sua maioria, não terem estudado num conservatório de música e de lá saírem com o nível superior. Com o “pouco” que sabem, fizeram e continuam a fazer muito!

Do mesmo modo, não me restam dúvidas de que a construção de muitas fábricas e outros empreendimentos industriais durante a era do primeiro Presidente da Guiné-Bissau, Luís Cabral, foi uma nobre acção governativa, não fossem as consecutivas más gestões dos que estiveram à frente desses empreendimentos, aliadas aos handicaps do sistema socioeconómico que tinha como pano de fundo o regime do partido único.

Hoje (sem tentar questionar as suas viabilidades económicas) os guineenses, orgulhosos e nostalgicamente lembram o quão importante eram o Socotram, a Fábrica Bambi, o Leite Blufo, a Fábrica de Cumeré, a Fábrica de Compotas Titina Silá, a Fábrica de Nhaye, a montagem do Volvo, a Fábrica Cicer (cervejas), etc., etc.

Agora, façamos um fast-forward (uma viagem futurista) e falemos das construções da Assembleia Nacional Popular, do Palácio do Governo, do Hospital Militar de Bissau, do Hospital Regional de Cancthungo, as recuperações do Estádio Nacional 24 de Setembro e do Palácio da República e a projectada construção do Palácio da Justiça. Estas são e serão certamente significantes obras públicas que estão ou irão beneficiar o país a vários níveis. O que não entendo no entanto, é o nível da elevada decepção por parte de muitos guineenses quanto à materialização destas obras.

Estes críticos negativistas, só para validarem os seus argumentos, apontam o dedo para o facto destas obras estarem a ser financiadas pela República Popular da China, como devem calcular, resultantes dos acordos com os governos da Guiné-Bissau, incluindo este actual Governo de Transição.

Muitos ignoram o facto de qualquer desenvolvimento de um país começar pela criação de infra-estruturas indispensáveis para o seu funcionamento, criando estrutura administrativa e empresarial precisa. Daí serem extremamente importantes as construções de obras públicas, que possam albergar serviços públicos e privados, com o objectivo de proporcionar um ambiente propício e confortável para o exercício digno da profissão. A Guiné-Bissau precisa destas estruturas, os funcionários públicos também precisam delas.

Portanto, eu não compartilho a visão de “penalista” dos poucos recursos humanos que existem na Guiné-Bissau, que corajosamente os nossos conterrâneos batalham no seu dia-a-dia, sem mínimas garantias de emprego, de segurança social, de saúde e até de vencimento mensal para partilhar com as suas famílias.

Eu sou da opinião que eles também merecem melhores condições de vida e de trabalho. E isto começa com a melhoria das infra-estruturas que existem ou a construção de novas. Aliás, a criação de condições morais são indispensáveis no processo da maximização da produtividade laboral. Pergunto então: porque é que alguém tanto no interior do país, como no exterior, havia de prevenir qualquer governo (legítimo ou não); eleito ou não, das necessidades de criarmos condições de trabalho para a classe laboral?

Oh, já sei! A essência da questão não é a construção desses empreendimentos, mas sim a legalidade de quem tem celebrado estes tipos de acordos, ou seja, o Governo de Transição. Pergunto de novo: preferem um Governo que assine contractos, receba o dinheiro, mas que não o aplique como é de esperar? Já imaginaram o que seria das potências como a África do Sul, a Angola, Hong Kong, entre outras, se os seus colonizadores e/ou ocupantes (desprovidos de legalidades jurídica, constitucional e internacional) tivessem sido impedidos de construir infra-estruturas que lá existem hoje e que têm servido para alargar os seus tecidos económicos?

Se deixarmos de ser cínicos por um segundo, compreenderemos que estas obras em curso, e tantas outras erguidas no passado, lá estarão para além de um curto período de transição. Lá estarão para servir os funcionários durante décadas e décadas. Lá estarão para servir os críticos de hoje que serão, obviamente, os “arrependidos do amanhã”. Aliás, a classe dos “arrependidos de ontem”, os que condenaram as obras de Luís Cabral, podem servir-nos como exemplo. Mas, para que isto aconteça, devemos reforçar a nossa “defesa” contra os “futuros arrependidos” numa perspectiva intelectual, moderna e patriótica. A estes devemos dizer que sim valeram a pena as vias rodoviárias de Carlos Gomes Jr.; a estes devemos dizer que encorajamos as iniciativas positivas dos ministros “analfabetos” e, a estes devemos dizer que encorajamos as acções de qualquer governo que esteja a construir e a reconstruir a Guiné-Bissau.

Oh, já sei! A essência da questão não é a execução dessas obras, mas sim a proveniência dos seus financiamentos. Ou seja, a desconfiança em relação aos chineses. Assim sendo, pergunto: será que uma obra é só grandiosa quando financiada por um fundo europeu, resultante de um acordo com um país europeu, e construída por uma empresa europeia?

Se duma coisa estou certo, é o facto de o dinheiro europeu não ser gratuito e muito menos o dinheiro chinês. Curiosamente, os chineses são os maiores parceiros comerciais e económicos dos países europeus, assim como dos Estados Unidos da América! E se os investimentos da China são bem-vindos pelos países do “primeiro-mundo” não compreendo porque não seriam bem-vindos pelos países em vias de desenvolvimento, como a Guiné-Bissau.

Aliás, longe vão os tempos quando o dinheiro nórdico (Europa do Norte) inundava os cofres de Estado guineense, em nome da solidariedade Norte-Sul. Nos tempos das vacas magras, estas solidariedades (leia-se empréstimos) governamentais, organizacionais e institucionais – europeias, asiáticas ou americanas – são maioritariamente “investimentos” económicos. Para os chineses talvez seja a madeira, para os europeus talvez seja o peixe ou outros minerais, mas a “garantia do retorno” tem que fazer parte da equação, senão a única equação.

(In) felizmente, assim mandam as regras económicas mundiais. E infelizmente, muitos “intelectuais” da praça pública guineense ainda continuam “congelados” no tempo, no espaço e no tradicionalismo de ideias. Pois, esquecem-se de que para além do grupo dos G8 (oito nações altamente industrializadas – França, Alemanha, Itália, Reino Unido, Japão, Estados Unidos, Canadá e Rússia), também existem os blocos dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), os MIKTs, os N-11s, e daí para fora. Em suma, a dinâmica económica do mundo encontra-se em grandes mutações, tais como as relações bilaterais entre os países do globo.

Contudo, os guineenses têm o direito de pedir explicações e exigir acordos e gestões transparentes, mas a nossa benevolência ou exigência não deve ser determinada pelos “amores” ou falta deles em relação a quem nos governa. A nossa “revolta” interna deve ser alimentada pela necessidade de propor soluções e procurar respostas às questões básicas do desenvolvimento vis-à-vis a preservação dos recursos naturais e outros do país.

Assim, o povo tem o direito de pedir explicações sobre quaisquer “contrapartidas” e exigir, sobretudo, uma maior transparência na selecção e aplicação dos projectos de desenvolvimento. Todavia, esta “vontade de saber” não deve ser guiada pelo sentimento antigovernamental, fruto de ajustes de contas com os “inimigos” dos nossos amigos. Este sentimento deve ser genuíno, apolítico e guiado por um espírito de incentivar parcerias entre as instituições estatais, não-estatais e comunitárias.

Por exemplo, se uma organização não-governamental ou ambiental achar injusta a exploração de uma determinada floresta guineense, que a mesma proponha uma zona protegida, como aliás fizeram com as florestas de Cantanhez, com o Parque Nacional de Orango (Ilhas Bijagós), com o Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu (Norte), com o Parque Nacional Marinho João Vieira e Poilão (Sul), e com o Parque Nacional Lagoas de Cufada (Sul). Mas, outras experiências africanas e mundiais têm mostrado que quando questões ambientais se transformam em políticas, dificilmente um consenso é alcançado. Só me resta encorajar as partes a não perder a esperança de discutir e partilhar as melhores ideias e passar à sua aplicação.

De lembrar que do Brasil aos Estados Unidos da América, não faltam exemplos de sentimento do empenho “militante” conhecido pelo termo NIMBY (“Not in my backyard”) ou seja “não no meu quintal”, mas esses sentimentos e conceitos inspirados no localismo, só podem ter uma dimensão nacional e positiva quando os seus dirigentes respeitam a dimensão nacional de Estado e do poder, independentemente das circunstâncias temporais, históricas e governativas de um país, neste caso, a Guiné-Bissau.

Oh, já sei! Uns dirão que não temos um Estado e nem tão pouco uma Nação. Seja lá o que for (gostemos ou não), temos o que temos e só podemos lidar com o que temos ou ainda, operar dentro daquilo que temos, isto é, dentro do sistema politico, económico, geográfico, institucional e sociocultural da Guiné-Bissau. Não defendo aqui a complacência e o pacifismo, mas sim, a adopção de atitudes que têm propósitos progressistas, não aquelas que visam apenas “ridicularizar” o próximo.

Portanto, para concluir, diria que os projectos que já existem ou em vias de construção devem ser encarados como investimentos patrimoniais bem-intencionados e que, se espera que mais tarde ou mais cedo, irão beneficiar a Guiné-Bissau. Se calhar, nessa altura, dificilmente lembraremos que este ou outro edifício público tenha sido fruto de um Governo de Transição.

Aliás, já pouco nos importa o facto da Praça do Império com o monumento “Ao Esforço Da Raça” terem sido construídos no auge do regime colonial português. Lá continua o monumento a “decorar” o céu azul da cidade de Bissau. Lá continua a antiga Praça do Império, hoje um sinal do tempo, uma lembrança colonial e, ironicamente, um orgulho nacional Guineense. Um monumento ironicamente dedicado aos “Heróis da Independência” da Guiné-Bissau.

E hoje os guineenses, nos seus “djumbais” (tertúlia) diários, agradecem a existência do antigo Palácio do Governador colonial. Ironicamente, perguntam a razão porque a cidade de Bissau não é como a Luanda ou o Maputo. Pois, quando os portugueses partiram, lá ficaram as suas metrópoles. Amanhã, não me restam dúvidas, estes mesmos guineenses hão, de certeza, agradecer as iniciativas da construção das últimas obras públicas e urbanas em curso no país. E não seria de estranhar se, dentro de alguns anos, começarem a perguntar porque é que Luís Cabral, Carlos Gomes Jr. ou mesmo o Governo de Transição não construíram mais obras públicas.

E com a graça de Deus, espero lá estar para presenciar o “obrigado” e o “agradecimento” das almas dos “futuros arrependidos”.

Ámen.

*Umaru Djau é jornalista, este texto apareceu em gbissau.com
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