Carta à Maria Odete Costa Semedo
Ao encontro da mesa estendida sob o frondoso micondó, vereis o resplandecente mar da Baía Ana de Chaves: micondó é o mesmo que kabasera, é o baobá, é o imbondeiro.
Querida Detinha:
Venho falar-te da doçura das mangas, as mãos das nossas mães, aromas: os que sobem dos esburacados tectos das cozinhas, a caminho das nuvens. Venho falar-te da justeza e da generosidade dos frutos.
Amo os sofisticados cheiros e sabores da Guiné. Volta e meia, ensaio o meu próprio caldo de mancarra, caril de amendoim para os moçambicanos, moamba de jinguba para os angolanos. Na sua sisudez, a mancarra não se apaga na versatilidade dos nomes, cumpre o destino de ser alimento.
Amo o chabéu que é vermelho, sem ser sangue, soufflé e dendém. Amo o aroma da cafriela, os pedaços de frango corados em manteiga, de volta ao molho de limão e fartas rodelas de cebola. A escalada faz escancarar portas e janelas, mas todos sabemos que é muito nham-nham o seu arroz. Kandja e badjiki estão entre as minhas imortais memórias de Bissau. E olha que não mencionei a carne corada, essa iguaria da quadra natalícia que a saudosa Ivete um dia me serviu com tanto carinho.
Porque amor com amor se paga, quero, amiga, que tu e todos os teus irmãos e irmãs visitem as minhas ilhas. São ricas e verdes, as ilhas; os ilhéus, quezilentos. As quezílias cegas, sabes bem, tolhem a acção e candrezam, atrofiam, os frutos. Tal como na tua amada Guiné, também os nossos frutos são bondosos e os aromas pacíficos. Diz um velho provérbio são-tomense, que a casa nunca é estreita para a família. Venham pois!
Ao encontro da mesa estendida sob o frondoso micondó, vereis o resplandecente mar da Baía Ana de Chaves: micondó é o mesmo que kabasera, é o baobá, é o imbondeiro. Se despida de vaidades, é benigna a função dos nomes.
Tu e todas as manas e manos provarão primeiro uma marca registada da ilha do Príncipe, o bôbô frito, banana madura frita.
Depois será o calu ou calulu, o blablá e o djógó, de confecção meticulosa, com muita hortaliça picada, óleo de palma e peixe, preferencialmente, que é o que o mar mais dá. São pratos cerimonais, testes de aptidão.
Em tempos não longínquos, a sua depreciação num banquete acarretava opróbrio perpétuo. O izaquente, doce ou de óleo de palma, requer igualmente perícia e demora. Não escapareis à pontaria da banana com peixe, o cozido, infalível como o sol, benévolo como a chuva.
A banana está para os são-tomenses como o arus para vós. Cozem-na. Assam-na. É frita e é guisada e seca ao sol. A fruta-pão é muito estimada, mas não tem o mesmo carisma.
O molho no fogo, meu prato predilecto, é um refogado de peixe seco e fumado, com makêkê e quiabo, tudo homogeneizado em óleo de palma. O meu pai gostava muito da azagôa, feijoada com carne fumada e nacos de mandioca.
O vinho de palma, de tão fresco e doce será verde, como a decisão da poetisa e seu povo. Haverá uma bandeja enfeitada com folhas: todos os frutos de África e bananas, felizes nas suas variações de tamanho, feitio, de nomes, de cores e sabores. As crianças trarão alfarrobas e tamarindos, um ramo de salambás, o mesmo que veludo na Guiné. Cuidado com o safú: se o trincares, ficarás nas ilhas.
À despedida, a mãe comporá um lento cestinho de mangas para ti. A primeira vez que vi uma manga da Guiné, maravilhei o tamanho daquele coração de gigante, amarelo-alaranjado e tão doce como as minúsculas mangas do meu país, que as nossas mangas mais doces são pequenas, quais corações de pomba. Ainda hoje, quando vejo uma manga enorme, do Brasil ou da Colômbia, é uma «manga da Guiné» que estou a ver. Essa manga é luminosa. É pacífica. E alimenta. Como o brindji de bagre que comeremos com a mão nua. Como os cantos do tchinchor e do ossobó, as únicas explosões que romperão o silêncio.
Sei que em Bissau, beberemos juntas, um dia, o fresco sumo da kabasera, sentadas em redor do fogo.
*Conceição Lima é poeta, natural de São Tomé e Príncipe, esta crônica foi publicada em África 21.