O boomerang do ditador
Angola vive um momento crucial no que concerne às violações dos direitos humanos na contemporaneidade, e as investidas do governo de Dos Santos contra ativistas vem acirrando o debate da sociedade civil sobre o assunto. Para Luis Araújo, organização e resistência é um imperativo de vida, na luta contra as desigualdades sociais. Entretanto o carisma de Dos Santos e toda a máquina do MPLA toram muitas vezes a visibilidade da luta por justiça social algo que marginal nesta sociedade. Organizar a sociedade civil em torno deste assunto deveras político é o caminho para uma vida mais equânime.
Quando o medo amordaça e paralisa bloqueando o verbo e o gesto ao cidadão, às pessoas conscientes e honradas do povo só restam três saídas: o da colaboração com a ditadura pela via da traição passiva ou activa, o suicídio ou a resistência. Qualquer dessas três saídas é forçada mas só a resistência é a saída para a liberdade. Jamais ela será conquistada por via de “boas” parcerias com o ditador.
No discurso de abertura do VI Congresso do MPLA (10.12.09) José Eduardo dos Santos dividiu a sociedade civil em boas e más organizações e apontou a necessidade de regulamentação que permita obrigar cada um a ocupar o seu espaço “para que não haja confusão”.
O PR JES afirmou que, o MPLA, “exprime a sua satisfação pelo surgimento de muitas organizações não governamentais (ong’s) angolanas e fundações e manifesta o seu reconhecimento pelo auxílio que prestam ao Estado e à sociedade na resolução de muitos problemas das populações carenciadas e das comunidades rurais”. Em seguida, declarou que o seu partido, MPLA: “Entretanto exprime também a sua discordância com o facto de algumas ONG’s estarem a realizar tarefas e missões que competem aos partidos políticos”. Completou depois essa divisão dizendo que: “Pretendemos uma sociedade organizada e ordenada, onde cada um ocupe o seu espaço e intervenha nos marcos da lei. Temos, por isso, que promover o aperfeiçoamento dos
nossos regulamentos para que não haja confusão”.
A essência da agenda do PR JES para a sociedade civil fica finalmente exposta. Falta só que a complete, saindo da acusação vaga, esclarecendo-nos sobre quais são as organizações que realizam tarefas da competência exclusiva dos partidos. De entre tantas outras, serão à FESA, o Fundo Lwiniy, o Movimento Nacional Expontâneo, a AJAPRAZ, a ADRA ou a IBIS, a DW e a SOS Habitat? Quais são? Que ONGs, efectivamente, são partidárias declaradas ou não mas cujo partidarismo é ostentado e ou passível de ser comprovado? Quais foram as que, inclusive, vimos nas emissões da TPA a distribuir ofertas com bandeirinhas e tishirts dum partido?
Outras organizações e actores, mais subtis, não têm esse tipo de desempenho, mas não significa que não são absolutamente apartidárias, objectivamente, também, vêm agindo pelo regime de MPLA/JES. Inclusive implementando acções no quadro do programa do Governo do MPLA/JES, o PAANE (como é o caso das “Conferências Nacionais da Sociedade Civil”) que tem como Ordenador Nacional o Ministro do Plano, um subordinado de JES, Presindete do MPLA. Isso não é significativo?
Além de outros ataques com que fomos sendo “mimados”, lembrei-me imediatamente do ataque, em 2007, feito pelo Sr. Walapi Kalenga, quadro do MINARES contra organizações concretas: (i) a SOS Habitat, a AJPD, a Mão Livres, a Open Society e algumas outrasONGs internacionais. Ataque caracterizado por ser (a) feito por um quadro, chefesubalterno dum ministério no entanto (b) com o apoio dos serviços de pesos pesados dos principais órgãos de comunicação do Estado, (c) sem permitir respostas às associações visadas e que (d) na imprensa teve o reforço de sopranos de sempre do regime do MPLA. Pela combinação de elementos e aspectos que lhe deram forma, esse ataque deve ser hoje entendido em combinação com o recente pronunciamento de JES. Ambos, no mínimo, têm exactamente o mesmo sentido, fins declarados e ou óbvios.
Não nos espanta o uso do adjectivo CONFUSÃO pelo PR JES. Ele é o principal promotor e responsável pelas causas da grande confusão em que o Estado está a ser cada vez mais metido para geração de rendimentos particulares ilícitos. Está a por lume no país mas não quer que as chamas o queimem. Por isso necessita de mecanismos (regulamentação) para aplicar as forças que já tem na contenção do fogo do seu incêndio. Nos dias que correm está é a, única, confusão principal que está a ser feita em Angola. A confusão real.
Violações dos direitos humanos são cometidas e aos seus agentes é garantida uma total impunidade. É essa a confusão que o regime do MPLA/JES está a fazer. A justiça tem sido falha para os mais pobres e excluídos da nossa sociedade. A justiça está sequestrada. Os mais desfavorecidos da nossa sociedade têm sido tantas vezes tratados como não cidadãos por homens portando símbolos e armas do Estado com que atacam o povo para, a mando de quem governa, o esbulharem dos seus bens e expulsa-lo dos seus sítios. São dessa natureza os abusos que são a causa principal da acção política das organizações da sociedade civil defensoras dos direitos humanos. Isto é confusão? Isto não é confusão. Essa acção mesmo que seja feita com a parceria de partido da oposição e ou como acções de oposição política não são actos de confusionistas. É exactamente o contrário. É a acção anti confusão de Estado conduzido por JES.
Ora essa confusão da responsabilidade do Estado/MPLA/JES é que é a confusão real à luz da lei,. Uma perturbação grave da ordem do Estado de direito democrático que, para espanto de todos nós, nem carece de nova regulamentação para ser sanada Ela, a lei, existe, carece é de ser aplicada com o rigor de Estado em que o Sr. PR JES tem sido falho. Porque será?!
Campeiam no país dirigentes, agentes do Estado e seus clientes que, efectivamente, vêm protagonizando uma grave confusão na República. Esta componente da confusão está a socavar a paz e pode, a prazo, ter consequências calamitosas para toda a nação.
O PR JES, ao dividir-nos numa “boa” e “má” sociedade civil, reforça e radicaliza uma prática com essa tendência separatista que não é novidade no político angolano em geral e em especial no meio das organizações da sociedade civil, onde há muito intervêm actores que também promovem a separação entre “boas” e “más” organizações. Uma divisão que apesar de não dita e mesmo que quando discursada em sentido inverso a isso, vem sendo efectivada e que, inclusive, tem os seus promotores, financiadores e dinamizadores dum programa Governamental (o PAANE) com que, além de outras metas, objectivamente, se tem visado domesticar a sociedade civil.
Agenda essa implementada por actores e organizações mais simpáticas ao regime, na suamaioria com raízes históricas nele e ou que não lhe manifestam o seu descontentamento emuito menos lhe oferecem resistência. Apesar de cada associação ser pertença exclusivados seus constituintes, à partida, os agentes desse programa qualificam globalmente adiversidade de organizações existentes como sendo “a nossa” sociedade civil, portanto detodos. Inclusive arvorando-se o direito de interferirem na existência de todas. Como setrata-se duma “obrigação democrática participativa” de toda as organizações da sociedade civil, têm insistido no convencimento à adesão de todas as organizações da sociedade civil a esse programa do Governo “para os Actores Não Estatais”, o PAANE.
Os agentes desse programa primeiro postularam a representação única da sociedade civil. Falharam. De nenhum país democrático de facto nos chegou um só exemplo duma agenda semelhante. Essa agenda, no caso angolano, naturalmente, chocou com resistências legitimas e impedimentos legais. A representação global da sociedade civil é inviável, impossível. Caso qualquer regulamentação a imponha isso consubstanciará o retorno a uma situação inaceitável que nos reduzirá ao modelo das organizações sociais de massas da primeira fase ditatorial do MPLA/JES, a do partido único de triste memória.
Quem acredita que nas circunstancias actuais é possível a realização duma agenda que promova a acção cidadã livre e o desenvolvimento, sem distinções, entre “más” e “boas” organizações da sociedade civil, que nos foi arremessada pelo programa PAANE. Não podemos esquecer que é o programa dum Governo violador de direitos humanos, implementado em parceria com uma Delegação da Comissão Europeia, cúmplice por omissão para com os autores de violações dos direitos humanos cometidas em Angola. É o programa dum governo assim que, (recorrendo à terminologia do PR JES) nos vai permitir sanar as confusões que o mesmo governo engendra com essas violações e com a impunidade com que as acoberta?
O PAANE, seus agentes e os actores politicamente conscientes e ou incautos que arregimentou, representam efectivamente o papel do maluco que tenta encher com água um reservatório roto, sem primeiro fechar os rombos por onde a água se esvai eternamente. Essa é metáfora adequada ao PAANE nos moldes em que actualmente está concebido e com o enquadramento institucional que tem. A CE tem alternativa a isso mas não ousa, os interesses económicos falam mais forte. Nos dias que correm esse programa orçamentado em 3.000.000 de € doados pela CE, é um programa que tem um membro do Governo como Ordenador Nacional, para todos os efeitos um subordinado do PR JES.
O PR JES, recentemente, colocou o seu partido e o país numa onda de ”tolerância zero à corrupção”. Em seguida, sobejamente, na imprensa e por por via de comentários On line foram manifestadas muitas, sérias e consideráveis duvidas (muitas das quais faço minhas) sobre a viabilidade de mais essa promessa do PR JES, Uma confusão “contra a confusão”, assim o entendo e exprimo usando o termo do PR JES.
Agora, escorado no pronunciamento com que, de forma vaga, acusou organizações da sociedade civil e orientou para elaboração de futura regulamentação que remeta cada um ao seu espaço (como já vem fazendo com os “gentios da fazenda Angola” em termos de espaço de residência) tenho razões para considerar que, de forma mais efectiva e eficiente, mais rapidamente aplicará à sociedade civil uma intolerância mais absoluta do que a tolerância zero com que ameaçou os corruptos. Inclusive, em minha opinião, certamente, vai ter o apoio de muitos desses corruptos na implementação da sua política de intolerância para com ás “más” organizações da sociedade civil de Angola.
Pelo andar da carruagem da ditadura que, assim, se aprofunda, o que cada vez mais é uma necessidade nacional com caracter de urgência, é uma tolerância zero do povo à confusão de Estado de José Eduardo dos Santos.
O PR JES chegou a um momento em que os ataques aos efeitos da confusão com que perturba a ordem do Estado de direito democrático instituído se voltam contra ele mesmo. É o boomerang da ditadura.
EXIJO DIGNIDADE
* Luis Araújo é ativista de Direitos Humanos em Angola e integrante do SOS Habitat
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