Angola: Meninas, crônica

href="http://penclube.no.sapo.pt/">cc PC [/urlVamos conhecer um pouco mais dessa talentosissíma e acalmada escritoa em mais uma crônica: Meninas.

Atacaram a colmeia e levaram a abelha-mestra e as meninas. Ali não havia muralhas mas a casa de ler e escrever onde a floresta acabava e o outro mundo devia começar. Na floresta restou o grito e os restos das asas de seda dos pequenos anjos que partiram. Ah e agora no chão que foi escola, colmeia organizada e celeiro apenas resta o barulho no seu som enorme e multiplicado. Ah como posso guardar duzentos rostos e silêncio na casca do tempo para que este silêncio não seja tão impossível de suportar como o eco da antiga batalha.

Passou um ano e nada nem ninguém me diz de duzentos rostos sem sorriso onde a esperança foi calada a golpes de machete e o que ficou foi o cheiro da violência e da miséria. Apagou-se a luz de Chibok e tudo se organizou e desorganizou dentro e fora da floresta. Passou tempo, terminaram as chuvas e veio o cacimbo, que também terminou com a lua de feição para começar a chover outra vez. O milho e o inhame entraram na terra, que no seu cio os devolveu com folhas verdes, comida e sementes para voltar à terra e grelar nesta roda da ordem onde tudo começa e acaba: águas, correntes, montanhas. Mas faltam duzentas meninas e seus ciclos apenas começados, seus pés pequenos sobre a terra batida e as cantigas doces que aprendiam para poder embalar um dia.

Sei que a luz, por vergonha, se retirou do seu caminho de círculo para tapar a face e deixar que a escuridão fosse invólucro, camisa e sudário desta desordem das coisas de que ninguém fala. Chibok até pode ser no fim do mundo, mas havia o direito de sonhar, e estava ali instituído com tábuas da lei, mestres e livros e a promessa de um destino com a felicidade possível que tem toda a mulher: filhos, terra arável, água longe, mas ainda assim vida e orientação para a fuga e conhecimento capaz de as fazer repetir até às lágrimas o riso absoluto da casa dos avós. Ah não me venham dizer que depois delas o mundo à volta azedou mais e que o rapto das mulheres (sabinas e de outras longitudes) se repetiu como um destino.

Eu sei e tenho cartas escritas com o veneno da revolta, já tirei sangue de vasos capilares profundíssimos e vou dizer ao mundo da voz dos inocentes e suas mortes a haver. Mas por favor, agora quero saber de duzentas meninas e seus sorrisos calados porque passou um ano e não quero esquecer, ainda que a terra se mova sobre si própria e a lua e as marés cumpram destinos, eu estou de bronze à espera que o mundo mude e encontre na floresta no deserto na casa ou junto ao rio duzentas meninas que eu sei, tenho a certeza, estão em algum lugar à nossa espera. Quero que Amina, Aminata e Toyin se encontrem no mercado para comprar inhame e discutir sobre a vida dos filhos e nos ensinem as histórias de adormecer que contam aos sobrinhos. Flora falará do que pensam as mulheres quando afrontam o poder e sabem das coisas novas tanto como das antigas e contará todas as histórias que ainda não foram contadas porque o poder dos homens disso a impediu. Lola falará do tempo em que o teatro servia para recordar e aprender.
Não, não quero esquecer duzentas meninas mulheres, nem abdico do seu direito à vida. Procurem para podermos tomar conta destas meninas e dos seus nomes e suas feridas.

Publicado em Redeangola.info

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