A crise mundial acabou com o verniz das aparências em Guadalupe

Desde o dia 5 de Janeiro, Guadalupe está agitada por um amplo movimento social. Lançado por forças sindicais e levado a cabo, hoje, por um coletivo global, este levante que se exprime através de reivindicações contra a vida cara e contra um sistema de exploração que sujeita as populações, porta em si mesmo relações de causas ainda mais profundas. Duzentos anos após o fim da escravidão, uma fraca minoria, descendentes “dos mestres brancos”, controla o destino de toda população, numa ordem capitalista em que a Metrópole deixou prosperar e que as populações contestam.

Após um mês de agitações cuja intensidade foi crescente, até à morte de um dos líderes do movimento social, na noite de 17 para 18 de fevereiro de 2009, o presidente Sarkozy tomou os acontecimentos pelas em mão. Mas para quais soluções? Pambazuka News convidou a romancista de Guadeloupe Maryse Condé e o jornalista Luigi Trevo, para analisar os fundamentos e as perspectivas deste movimento social cujas raízes excedem a expressão das frustrações atuais.

Maryse Condé constata que “apesar das denominações que alternavam durante os séculos, “Velha colônia”, “Departamento francês Ultramarino”, “Departamento francês das Américas”, o estatuto da Guadalupe não foi alterado. Vive sempre um sistema colonial. Isso significa que deve servir de mercado aos produtos manufaturados da Metrópole e em troca fornecer matéria-prima . Esta matéria-prima era o açúcar de cana cujos avatares conhecem-se . Desde a queda da produção, devido à concorrência do açúcar de beterraba, o açúcar de cana foi substituído alternadamente e sem grande sucesso pela banana, os cítricos…

“Mas Guadalupe, prossegue a Sra. Condé, continuou a não cultivar nenhuma planta que possa servir à sua alimentação e importa-os todos. Os partidos políticos independentes não tiveram êxito a fazer passar a mensagem que só uma mudança de estatuto político poderia remediar os problemas nascidos da persistência de tal sistema de trocas colonial.”

Mas avatares deste sistema terminaram por degenerar. Desde o dia 20 de Janeiro de 2009, manifestações contra a vida cara estouraram em Guadalupe. Em 5 de Fevereiro, estenderam-se à Martinica. A ilha de Reunião está prestes a juntar-se ao movimento, com uma palavra de ordem de greve lançada para o 5 de Março.

Nestas excrescências da França, sobrevivências da conquista colonial, o lodo das frustrações e os males sociais assim transbordaram. Paris manteve estas dependências no espírito dos balcões que prevaleceu na África durante o período colonial. Nenhum investimento de valor permite às Antilhas franceses viver por elas mesmas. Os bens de consumo, largamente importados da metrópole, custam 20% mais caro do que na Metrópole. A taxa de desemprego excede os 20%. Nesses últimos dias houve atos de violência. Um sonho tardio?

“Os guadelupeanos cegaram-se sobre a realidade porque se beneficiavam dos subsídios que vertia-lhes o Estado francês: subsídios de desemprego, RMI (rendimento mínimo de inserção), e mesmo de RSA (Rendimento de solidariedade activa), explica a Sra. Condé. A crise mundial desabou com o verniz das aparências e o povo de Guadeloupe viram, ao olho nu, a sua pobreza, a sua dependência e as desigualdades das quais sofrem. Donde a crise”.

Esta crise que agita Guadalupe excede as manifestações diárias de um simples mal-estar. Faz face um sistema de dominação que, “de duzentos anos após o fim da escravidão, guarda ainda as suas raízes”, sublinha o jornalista à Radio Tambou, em Guadalupe, Luigi Trevo. “O que se passa é uma mobilização contra colonos, descendentes do escravagistas, que controlam o mercado da distribuição a 90%, sem nenhuma transparência sobre os preços”, explica.

Os primeiros movimentos começaram no dia 16 de Dezembro de 2008, lançados por diferentes sindicatos, dos quais a União Geral dos Trabalhadores de Guadalupe (UGTC). Hoje todos reencontram-se. De políticos às associações culturais. Há os jovens, as mulheres, etc. “Assiste-se a um levantamento popular contra um sistema de exploração, sublinha-se Luigi Trevo. Dois mil “Békés” (descendentes dos colonos brancos) controla toda a economia. Uma classe que vive em total demarcação por relatório às populações. Para nós não se trata de um problema de raça. Mas notou-se, por parte de um dos representantes desta comunidade (Anotação: Sr. Alain Huyghes-Despointes, industrial béké martinquês, proprietário diversas empresas em Martinica, Guadalupe e Guiana), das posições desta natureza. E não é fortuito que falou-se qualidade de raça nos seus propósitos. A constatação está por conseguinte lá. Duzentos anos após o fim da escravidão, reencontra-se-se na mesma situação: negociar com brancos para ter condições de vida melhores”.

Diferentes tendências atravessam o movimento de reivindicação que se organizou em redor do Colectivo contra a exploração (LKP). Luigi Trevo nota que “os sentimentos autonomistas estão muito presentes. O colectivo pôde abrir os olhos das populações, que demonstram-lhes todos os saltar da subjugação à qual estão sujeitas e aquilo empurra numerosas pessoas para a radicalização. E o sentimento que prevalece permanece que o governo francês não vai atacar-se ao problema de fundo. Haverá algumas medidas de fachada, mas nada que reponha em causa o sistema existente. Porque os interesses dominantes aqui são os mesmos que na Metrópole. Por exemplo, o grupo SARA que controla o sector dos hidrocarbonetos, com práticas escandalosas a nível dos preços, é um ramo de TOTAL. Encontram-se as mesmas ramificações em outros setores.”

“Antes de propôr verdadeiras soluções, nota Luigi Trevo, Paris opta por a estratégia de esperar para ver no que vai dar, esperando o desânimo e uma desmobilização com o tempo. Mas é uma má apreciação da realidade. O que se passa é importante. Não se conheceu tal movimento social há décadas. Hoje, essa questão toca a Martinica onde as realidades são o mesma, com o mesmo grupo minoritário, descendente de colonos e escravagistas, que controla absolutamente tudo.”

O sentimento independentista que é evocado aqui não datado de hoje nas Antilhas francesas. Exprimindo-se em franjas importantes, é levado por líderes do movimento social atual. Mesmo que ele nao estruture o discurso revendicativo, está presente nas reflexões que o acompanham. Sobre este propósito, Maryse Condé confiou à Pambazuka News:

“Nós somos por muito tempo indépendantistas (a partir dos anos 60, Guy Conquête cantava “Guadalupe doente” ) teríamos gostado de que ( a mobilização atual) desentupisse uma reivindicação política. O que é provável, já que o LKP é procedente do sindicato UGTG que nunca não escondeu a sua simpatia pela independência. Mas ainda sabemos nada. É necessário esperar e esperar.”

Em antecipação, estas ondas de choque que agitam a Guadalupe e a Martinica, parte importante Diaspora, não tem praticamente eco na África. O afastamento? Talvez. Porque as reivindicações não têm (ainda?) tomados os andamentos de uma diminuição em causa do estatuto dos Departamentos franceses? Talvez ainda. O sentimento prevalece, em todo caso, que trata-se de um negócio franco-francês que deixa indiferentes, essencialmente, os movimentos sociais, os intelectuais e outras forças políticas do continente.

Perante esta constatação, Maryse Condé rejeita a idéia de uma falta de solidariedade: “Como querem que os povos africanos desviem-se dos seus próprios problemas para incomodar-se do destino remotos martiniquenses e guadelupeanos? É lá uma visão idealista e sumária. Estou certo que os intelectuais africanos, eles simpatizam com este combate mas pode haver partes que não tenham nenhuma tribuna que lhes pertença, nem nenhum meio de luta”.

Acrescenta: “A África está presa a graves problemas. Pela falta de trabalho e de que viver decentemente, as populações emigram aos milhares em direção dos países da Europa que acolhem-nos sem entusiasmo. Todos os dias propomo-nos falar de Africanos que morreram fora a Espanha, a Itália, o Marrocos, procurando fugir de seu continente para melhorar as suas esperanças de sobrevivência. Não se trtata de afro-pessimismo, mas da realidade.”

O sistema de exploração, contra o qual se rebelam o povo de Guadeloupe e da Martinica continua a ser contudo o mesmo que, levado pela mundialização, com a crise alimentar e financeira, já tem gerado violentos sobressaltos na África. Mas é esta globalização, cujos lados sublinha “ maus”, que dá esperança à Sra. Condé. Esperança de ver “cair as barreiras do mundo, forçando-nos por bem a vontade de viver juntos sob céus diferentes, para nos conhecermos melhor, trocar, compartilhar, o que não é, neste momento o caso. De lá talvez virá uma maior solidariedade entre os indivíduos e outros, nós Africanos e Caribenhos que tanto sofremos, traremos o nosso sentimento de humanidade”

* Maryse Condé, nascida Maryse Boucolon é escritora. Nascida em Pointe-à-Pitre (Guadalupe). Publicou numerosos romances históricos, das quais Segou (1984-1985). Ensinou na Guiné, no Gana, e no Senegal.

* Luigi Trevo é jornalista na Rádio Tambou, em Guadalupe.
Os seus depoimentos foram recolhidos por Tidiane Kassé, editor chefe da edição francesa de Pambazuka News.

*Traduzido por Alyxandra Gomes Nunes, Co-editora Pambazuka News Língua Portuguesa

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