e-Participação política do cidadão na democracia moçambicana: ausências, desafios e oportunidades

A nova era digital anuncia o resgate dos verdadeiros valores da democracia, a inclusão do cidadão nos processos governativos. As democracia emergentes em África deixam de ser sistemas intactos e primitivos e, apesar delas se caracterizarem por baixos níveis de participação política dos seus cidadãos, são afectadas pelo fenómeno das tecnologias comunicativas, particularmente do telemóvel. Embora com imperfeições e desafios de vária ordem, a participação política através de plataformas digitais tem demonstrado sua capacidade de debater questões que eram inconcebíveis no sistema político clássico em Moçambique.

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As entidades políticas e os meios de comunicação social têm mantido uma relação de afinidade que resulta em duas esferas inseparáveis. As suas relações se interconectam através de múltiplos interesses ideológicos que os une mutuamente. Porém, hoje em dia, as duas esferas de poder vivem momentos de mudanças críticas em consequência de vários processos mutacionais provocados pelas transformações tecnológicas.

As comunicações políticas, sobretudo dos países de democracias emergente, estão efectadas por diversas transformações que vão desde lógicas discursivas alteradas pelas dinâmicas de funcionamento dos meios digitais de comunicação até às consequentes erupções dos movimentos dos ciberactivistas sociais e as suas monitorias de governação.

Assim, as normas e regras clássicas que regulavam a relação entre as comunicações políticas, os media e o cidadão estão a perder a sua vigência face aos novos media digitais, que se estão a impor gradualmente em todas as sociedades democráticas. Com isto, gera-se-um novo ambiente da relação política/media, factor que cria oportunidades, conflitos e incertezas.
Os avanços das tecnologias comunicativas estão a transformar as relações de comunicação clássicas unidireccionais em comunicações multidireccionais e interactivas . Este modelo de comunicação tem afectado directamente a comunicação política . Uma das consequências tem sido a participação do cidadão, cujo espaço de acção se ampliou para interagir com as instituições políticas

Quais são os contornos da e-participação do cidadão na vida política? Que relações existem entre a comunicação política e os novos media e que mudanças os media digitais trouxeram?

Em 2008 foi criada Internet Rights and Principles Dynamic Coalition, IRPC, uma rede aberta internacional de pessoas e organizações que trabalham para a defesa dos direitos humanos no ambiente digital. A rede está filiada ao Fórum de governação das Nações Unidas, cujo objectivo tem sido a luta pelos direitos humanos no ciberespaço com vista a criar consciência, compreensão e fóruns de discussão para a mobilização em torno e princípios para a Internet, que foram aprovados pelas Nações Unidas em 2013.

Entre vários princípios defendidos pelo IRPC destacam-se 4, nomeadamente: princípio de acessibilidade; a liberdade de expressão e associação; direito à privacidade e protecção de dados; diversidade cultural e linguística na Internet, inovação técnica e política.

As democracias emergentes em África têm acompanhado a evolução destes direitos baseados na Internet bem como o desenvolvimento dos novos media e sua relação com o cidadão digital. Entretanto, as relações entre a comunicação política e o e-cidadão têm se caracterizado por conflitos e tensões permanentes, aquilo que Kedzi (1997) considera de “ teoria do dilema do ditador”, segundo a qual a globalização do mercado, impulsionado pela Internet, força os governos democráticos a abrir os seus espaços comunicacionais. Em consequência, abre canais de fluxo de informação quer de carácter comercial quer de informação de natureza política. Simultaneamente, a adopção do modelo tecnológico de comunicação confere ao cidadão maior liberdade de expressão de participar na governação de diversas formas.

A nova era digital anuncia o resgate dos verdadeiros valores da democracia, a inclusão do cidadão nos processos governativos. Deste modo, as democracia emergentes em África deixam de ser sistemas intactos e primitivos. Apesar delas se caracterizarem por baixos níveis de participação política dos seus cidadãos, sobretudo daqueles com baixo nível de escolaridade e geograficamente distantes dos centros de decisão política, são afectadas pelo fenómeno das tecnologias comunicativas, particularmente do telemóvel.

Os relatórios das Nações Unidas, do Banco Mundial e outros estudos atestam que a Internet é uma ferramenta que está a revolucionar a forma de comunicação no continente africano. Como escrevem Best & Wade (2009) e Megenta (2010), a Internet tem efeitos directos sobre as instituições democráticas e as suas operações. Consequentemente, ela constitui a força de desenvolvimento dos sistemas democráticos.

Com estas afirmações, as ilações induzem-nos a acreditar que a Internet e as redes sociais a ela associadas incentivam a participação política do cidadão. Por exemplo, o cidadão pode opinar sobre os assuntos políticos, monitorar a governação, votar a partir de casa ou obter, em tempo real, as informações do Estado para que ele possa ter conhecimento de que necessita para participar efetivamente, participar em referendos on-line, deliberar em massa, bem como tomar decisões sensatas sem a necessidade de instituições mediadoras como jornais, partidos políticos, tribunais até mesmo de governo.

ANÁLISE PARTICIPATIVA DO CIDADÃO DIGITAL

O conceito de participação política tem uma dimensão complexa. Ela invoca vários actos de exercício de direitos políticos e sociais garantidos pela Constituição. As acções participativas incluem actos colectivas ou individuais, de apoio ou de pressão direcionados a escolha de governos e influenciar as decisões tomadas por eles. Trata-se de uma participação cujo objetivo visa influenciar as decisões de grupos políticos a incorporar os interesses colectivos e as opiniões do cidadão.

A revolução digital contraria o modelo tradicional de comunicação política feita através de conferências de imprensa, entrevistas e declarações consideradas as principais fontes de informação oficial dos jornalistas. Este modelo de comunicação política, na actualidade, considera-se retrógrado e condicionada a práticas corriqueiras pejadas de censura e doseamento comunicativo. Tanto as entrevistas políticas como as declarações oficiais do governo ou as conferências de imprensa são muito frequente nas rádios, televisões e imprensa pública e poucas vezes têm comunicações em directo na televisão. Assim sendo, são nulas as participações dos cidadãos. Eles são apenas objectos anónimos, impessoais e passivos dos conteúdos gerados pela comunicação política deste modelo, facto que não dá oportunidade ao cidadão de contradizer ou emendar os discursos políticos

A e-participação é um fenómeno que gera novos comportamentos sociais e cria efeito de proximidade com o cidadão, caracterizadas pela liberdade de expressão, publicação, associação e partilha de informação tal como está prevista no IRPC.

A ciberdemocracia ganha forma e consistência graças ao activismo e participação do cidadão que mobiliza os sectores da sociedade a engajar na política activa através de plataformas da Internet que possibilitam a socialização e concertação colectiva.

Estamos a viver a era do cidadão ciberactivista que demonstra competências e capacidade persuasiva e comunicacionais. As plataformas digitais de comunicação têm revelado a presença de cidadãos com características especiais: disponibilidade de pluralidade de fontes de informação; disponibilidade de uma infinidade de redes sociais que permitem a partilha e distribuição de informação; exercício da liberdade de expressão; redução da barreira entre o sistema político e o cidadão.

INDICADORES DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DO CIDADÃO MOÇAMBICANO ATRAVÉS DE PLATAFORMAS DIGITAIS

Para se constituir indicadores capazes de classificar e medir a participação do cidadão nas acções políticas foi preciso identificar as plataformas governamentais que permitem a interacção com o governo. O estudo avaliou qualitativamente os websites do governo, mapeando-os e avaliando-os quanto à acessibilidade, navegação, velocidade, espaço e fóruns de discussão, assim como o acesso aos documentos importantes para o cidadão.

No cenário moçambicano, o uso das plataformas digitais de participação do cidadão nos assuntos políticos já está ao alcance tanto de indivíduos, grupos, associações, instituições e empresas quanto do próprio governo e em cada ano vem se ampliando o seu uso na prestação de serviços aos públicos diversos. É nesse contexto que também cresce a preocupação com a qualidade dessas plataformas, sobretudo, dos websites do governo com o intuito de se compreender os parâmetros de qualidade que os mesmos possuem em benefício dos cidadãos à luz da lei do direito à informação e outra legislação no país.

A implementação da plataforma do e-Gov no mundo e, particularmente em Moçambique onde a mesma plataforma designa-se GovNet, está relacionada com o processo de reformas de Estado, que implicam a modernização da administração pública e a necessidade de empreender maior eficiência do governo aliado a transparência, aos mecanismos de controlo e de prestação de serviços e de contas sobre as suas responsabilidades para com o cidadão.

Para responder de forma efectiva à demanda de serviços públicos do Estado, o governo moçambicano construiu essa plataforma electrónica, representada pela informatização das suas actividades internas e pela comunicação com o público externo: cidadãos, fornecedores, empresas, ou outros sectores do governo e da sociedade civil organizada. Uma forma central dessa informatização tem sido a construção de portais governamentais, por intermédio dos quais o governo expõe a sua identidade, os seus propósitos ou objectivos, as suas realizações e metas a serem alcançadas no âmbito do exercício de governar e de interação com os públicos diversos.

A dinâmica de governo electrónico não se restringe apenas ao uso das TIC’s para prestação de serviço, mas também se baseia nas interações entre os cidadãos e o governo, o que leva a uma reorganização dos processos da administração pública.

A qualidade dos websites do governo e o uso de dados abertos, à luz da Lei do direito à informação, configura-se de capital importância porque o usufruto deste direito por parte do cidadão depende, em parte, da forma como o governo electrónico é administrado.

Em relação aos websites, a incorporação efectiva da gestão da qualidade traz vantagens tanto para o governo, por garantir uma eficaz prestação de serviços ao cidadão.

Em Dezembro de 2014 foi aprovada pela Assembleia da República, a Lei do Direito à Informação, a lei No 34/2014 de 31 de Dezembro. Assim, Moçambique garante ao cidadão o acesso a qualquer informação produzida pelo Estado que não tenha carácter pessoal e não esteja protegida de acordo com o tipo de classificação.

Ser cidadão é tudo quanto se exige para que se tenha a legitimidade activa para solicitar informação de interesse público, detida ou por entidades públicas ou privada. Elenca como princípio de efectivo acesso, como regra, a gratuitidade, podendo exigir-se ao peticionário que arque com as despesas de reprodução; não tendo recursos, deverá prová-lo, através de uma certidão de pobreza.

Os resultados do estudo que elaborei indicam que o princípio da obrigatoriedade de publicar, plasmado no Artigo 9 não está a ser observado na sua amplitude uma vez que dos 21 ministérios, três ainda não possuem websites. Mais da metade dos que possuem páginas web tem problemas de natureza técnica, nove websites reportam erros de visualização e um em manutenção por um longo período de tempo.
Considero que com este tipo de deficiências técnicas não seja possível assegurar a participação do cidadão, divulgação de documentos de interesse público sobre a organização, funcionamento de órgãos públicos e o conteúdo de decisões ou políticas que afectem direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, bem como a proibição de restrição de acesso à informações de interesse público, excepto as legalmente excecionadas.

Os meios de divulgação a que se refere o Artigo 6 incluem, nomeadamente, o Boletim da República, os meios de comunicação social impressos, radiofónicos e televisivos, páginas de Internet e afixação em lugares de estilo extensíveis para os meios electrónicos de divulgação.

Com a pesquisa foi possível aferir que a implementação da lei do direito à informação através dos websites dos 21 ministérios que fazem parte do governo central ainda não está a ser efectiva, uma vez existirem grandes deficiências na produção de conteúdos de interesse do cidadão. Agrava esta situação o facto de vários websites encontrarem-se com problemas técnicos ou fora do ar e pelo facto de alguns ministérios até ao momento não possuírem websites, continuando a comunicar-se com os diversos públicos através de formas e de dispositivos tradicionais como telefone, atendimento presencial, requerimentos físicos, audiências, entre outros meios.

A Internet como local de interação pública através da participação digital possui as mesmas exigências de funcionamento dos espaços públicos presenciais, para isso é preciso levar em consideração os factores relacionados com a conjuntura social e política do país e do mundo, que é anterior ao advento dos media digitais, tais como a disposição dos agentes e instituições em compartilhar poder e o estímulo dos cidadãos em utilizar as ferramentas.

As políticas de governo electrónico (GovNet) foram elaboradas como instrumentos fundamentais para a prestação de serviços públicos, assim como para a ampliação dos mecanismos de participação e resposta da administração pública, entretanto há resistência à utilização desses canais com todo o seu potencial até por parte da maioria dos ministérios.

Uma das maiores vantagens que os website podem oferecer é a diminuição do volume de pessoas que procuram e congestionam os espaços públicos de atendimento ao cidadão. A lógica dos serviços públicos na internet, através de websites devem proporcionar: (i) a redução de gastos com infraestrutura e funcionalismo; (ii) possibilitar maior sincronia no processo de atendimento pelo uso intensivo da tecnologia da informação que pode facilitar a concentração e integração dos serviços prestados pelos órgãos públicos; (iii) reduzir perdas por transporte, já que estas podem ser quase totalmente eliminadas com o uso de infra-estruturas de telecomunicações seguras e estáveis; (iv) redução de tempo de espera, já que o serviço estará disponível sempre que for solicitado pelo público.

Apesar dessas inúmeras vantagens que podem ser oferecidas pelos websites, muitas dificuldades ainda precisam ser vencidas como a preocupação dos cidadãos em relação à privacidade e à segurança dos sites do governo; a falta de recursos para atender as necessidades de populações especiais, como os deficientes visuais e auditivos; a indisponibilidade de computadores e da internet para a maioria da população; a necessidade de educar o cidadão quanto à existência de serviços e informações on-line; e o custo da infraestrutura desta plataforma digital de governo.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento de uma cultura de participação política na era digital depende da transformação das relações de poder, que tem se esquivado do dever da expansão da rede gratuita de comunicação electrónica como se prevê na carta de princípios do IRPC. De igual modo , essa mudança deve acontecer nas relações sociais político/cidadão, com o fortalecimento de organizações sociais e com o surgimento de novos estilos de gestão pública e de ação coletiva, possibilitando a participação do cidadão nos processos políticos decisórios através de plataformas digitais de comunicação.

Portanto, é necessário sublinhar a dimensão da e-cidadania política, que se enquadra na participação dos cidadãos no exercício do poder político na era digital e na criação de uma nova política que contemple os interesses sociais diversos.

Se, por um lado, existe um número considerável de cidadãos info-excluídos pela conectividade da Internet, por outro, há um crescente número de cidadão urbanos e esclarecido com desejo de participação, ou seja, cidadãos digitais que acreditam que sua participação pode alterar os resultados e as decisões políticas.

A participação política através de plataformas digitais tem demonstrado sua capacidade de debater questões que eram inconcebíveis no sistema político clássico. Hoje vivemos numa era de fluxo de informação com velocidade estonteante capaz de agendar as acções dos representantes públicos e, em alguns casos, agendar os media e modificar a opinião pública.

* - Celestino Joanguete, PhD é professor e investigador na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane em Maputo | [email][email protected]

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Referências

Best e Wade.2009. “The Internet and Democracy”, In Bulletin of Science, Technology & Society Vol. nº 29 Number 4 August London. pp. 255-271

Kedzie, Christopher. 1997.Communication and Democracy: Coincident Revolutions and the Emergent Dictators. Santa Monica, CA: RAND Corporation. http://www.rand.org/pubs/rgs_dissertations/RGSD127.html Acessado 02/02/2016, consultado no dia 04/02/2016

Lei do Direito à Informação, a lei No 34/2014 de 31 de Dezembro.

Lenk, K. e Traunmuller, R. 2002. . “Electronic government: where are we heading?” In: Electronic Government, First International Conference, Aixen-Provence, France.

Megenta, Abiye (2009) The Internet’s Democratization Effect in Authoritarianisms with Adjectives The case of Ethiopian participatory media, Reuter Institute for the study of Journalism, Oxford