Guiné Bissau: As eleições presidenciais não são panaceias face a ausência do Estado na Guiné Bissau
O problema da Guiné-Bissau, não é a falta da realização das eleições quer as legislativas, quer as presidenciais. Estas se realizaram regularmente em 1994, dentro do prazo Constitucional e irregularmente e de forma sucessiva em 1999, em 2005 devido as interrupções atípicas de mandatos dos Presidentes eleitos, derivados do conflito político-militar em 1998, e do golpe de Estado em 2003 e agora em 2009, derivado do assassinato do Presidente no passado mês de Março. As únicas eleições que ainda não se realizaram são as autárquicas. E por consequência, a Administração Regional continua bastante centralizada e obsoleta. É de notar, que salvo nos períodos de Transição Política, nenhum Presidente da República e Governo eleitos na Guiné-Bissau, conseguiu concluir o seu mandato. No cumprimento normal do mandato, as eleições presidenciais na Guiné-Bissau, só teriam lugar em 2010.
Mas as eleições presidenciais não são “ panaceias”, para os graves problemas internos da Guiné-Bissau. Porém, são importantes em democracia, para a alternância do poder e na situação concreta e actual da Guiné-Bissau, para a legitimação do poder pelas urnas, a fim de pôr termo as funções de interinidade do Presidente da República e do Presidente da Assembleia Nacional Popular. Do ponto de vista externo, serve para agradar a Comunidade Internacional, de que o “ Poder tem a legitimidade popular “, portanto é democrático. E sendo a democracia um dos princípios ponderados pela Comunidade Internacional, tanto no quadro das relações de cooperação bilateral, como no quadro da cooperação multilateral entre países e organizações, torna-se importante sua realização por forma a facultar possibilidades de negociações de fundos e apoios financeiros para um país extremamente dependente da ajuda externa, até para pagamentos de salários aos seus funcionários públicos.
Mas do ponto de vista interno os grandes males da instabilidade institucional e governativa permanente, do narcotráfico, do crime organizado transnacional, dos ajustes de contas, da falta de garantia de segurança à integridade física dos cidadãos, das crónicas carências económicas e sociais e da incapacidade de resposta do poder político legalmente instituído, não serão totalmente resolvidos, com eleição de um novo Presidente, ou mesmo com uma eventual remodelação do Governo. A situação em que as coisas chegaram, há medidas que apenas seriam paliativas e não soluções para os reais problemas da falência do Estado. Pois o problema fundamental é o da ausência do Estado. Será que o Presidente a ser eleito terá condições e ambiente político propício, à semelhança de um verdadeiro “Estado de Direito e democrático “, para garantir o cumprimento da Constituição e ser garante da unidade nacional? Muitas expectativas estão sendo criadas com as próximas eleições presidenciais, contudo o perfil do candidato a ser eleito, bem como a sua futura actuação como “ garante da estabilidade e da unidade nacional” terão um peso substancial no novo cenário político pós- eleitoral. Mas não devemos ter grandes ilusões, na medida em que a escolha poderá não recair naquele que supostamente reúna as melhores condições de momento, para liderar os destinos do povo guineense e assegurar a convivência pacífica das instituições da República.
A pobreza e o analfabetismo constituem estrangulamentos à democracia na Guiné-Bissau. Este estado de coisas, adicionado à situação de revolta recalcada da população, com os últimos actos de violência: assassinatos, torturas e prisões de figuras públicas políticas, crimes esses impunes pela inoperância do poder judiciário, despido de capacidade de investigação eficiente dos crimes de natureza política, pode resultar em dois cenários: a abstenção e /ou voto do protesto, com influência decisiva nos resultados eleitorais. E o nosso povo, ainda não dispõe de maturidade política suficiente para distinguir “ homem ou mulher com sentido de Estado” capaz de conduzir o país com equilíbrio, para assegurar a coabitação no regime semi-presidencial, sem grandes colapsos. E por desconhecimento ou mesmo incompreensão desses valores pouco significativos para ele, dada a ausência do Estado na vida dos cidadãos em geral, a pertença étnica tem orientado significativamente o sentido do voto nas eleições presidenciais, em detrimento da identidade nacional. E por outro lado, a satisfação imediata de algumas carências quotidianas do eleitorado pelos candidatos material e financeiramente poderosos, também tem determinado o sentido do voto nas eleições. Daí não compreender a posição maioritária dos candidatos às eleições presidenciais, em persistir na manutenção da data de 28/06 /2009, num pacto “ contra legis” (contrário a lei), que reduziu os 21 dias da campanha presidencial, sempre necessários para que a mensagem de todos os candidatos tenha maior abrangência nacional possível. Esta posição me parece ter privilegiado a rapidez para o preenchimento do posto “ vacante do Presidente da República”, relegando para o segundo plano o tempo necessário e útil para uma boa campanha ao nível nacional, bem como a questão da segurança interna dos cidadãos necessária não só durante o período eleitoral, mas também após às eleições. Mais preocupante é, face a comprovada ausência do “ jus imperii”do Estado (poder de império, autoridade) do Estado, a maioria dos candidatos advoga “ soluções internas para os graves problemas que assolam o país, sem no entanto apresentarem “ um projecto político” com acções concretas, que visam a criação de uma nova identidade do “Estado de Direito e Democrático” na Guiné – Bissau, com mecanismos que asseguram: a subordinação real dos militares ao poder político, o controlo total da soberania nacional, o valor à vida e a dignidade dos guineenses, a cultura da paz e do respeito pelas instituições democráticas e um poder judiciário forte. É fácil dizer que nós os guineenses podemos resolver os nossos problemas. Mas difícil é, encontrarmos nós próprios, soluções adequadas para esses graves problemas. Pois se assim não fosse, já teríamos ultrapassado vários problemas.
O que me parece evidente é que estamos mais “ vocacionados” em criar problemas do que resolvê-los. Mas se ainda entendermos que somos capazes de resolver internamente os nossos problemas sem subsídio à solução externa, já é tempo de colocarmos isso em evidência. E daríamos por finda a polémica, que divide a opinião dos cidadãos guineenses e até à Comunidade Internacional, quanto a necessidade ou não de uma “ força de estabilização internacional “, na Guiné-Bissau, ou mesmo de um protectorado à semelhança do que ocorreu no Timor - Leste. Antes que seja tarde, devemos utilizar todos os mecanismos legais úteis, quer ao nível interno, quer ao nível internacional, para salvaguardar a nossa soberania nacional, sob pena de sua alienação total, com consequências imprevisíveis para a sub-região Oeste Africana. Pois o país tem apenas, um milhão quatrocentos e setenta e dois mil e quatrocentos e quarenta e seis habitantes, e nele não pode coabitar “ duas ou mais ordens internas (a do poder civil, a dos militares) e a dos narcotraficantes. A consumar este facto, significa fim do Estado.
A extensão do mandato do UNOGBIS, Gabinete das Nações Unidas de Apoio à Consolidação da Paz na Guiné-Bissau, até Dezembro do ano em curso completando os dez anos, seguida do estabelecimento do Gabinete Integrado das Nações Unidas (UNIOGBIS), em Janeiro de 2010, que continuaria com a mesma missão, acrescida a do apoio ao reforço das capacidades das instituições da República, no combate ao narcotráfico e ao crime organizado, embora não resolverá todos os males da ausência do Estado, mas será um passo positivo, no grande pesadelo que se vive no país, com o tráfico de drogas e o crime organizado transnacional.
* Antonieta Rosa é Advogada e Mestre em Direito do Estado (Direito Público).
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