Angola: Não partam minha casa: o governo que demonstra que nao é democrático

A organização de direitos civis em Angola, a OMUNGA, está trabalhando para organizar a marcha em direito dos moradores da região de Benguela, no sentido de assegurar o direito a reunião e manifestação de todos prejudicados pela política de esvaziamento da região em nome da construção para o progresso, no entento, em total detrimento da saúde e bem estar das populações envolvidas no processo.

ASSUNTO: REALIZAÇÃO DA MARCHA CONTRA DEMOLIÇÕES E DESALOJAMENTOS FORÇADOS “NÃO PARTAM A MINHA CASA” (resposta à vossa proibição)

A OMUNGA vem desde já agradecer ao Exmo. Sr. Governador provincial de Benguela (em exercício), pela vossa pronta resposta (vossa ref.ª 1268/GGPB/2010 de 01 de Abril de 2010) à nossa carta de 01 de Abril de 2010 (também), com Ref.ª OM/075/10, onde, esta associação, prestava toda a informação considerada necessária e de acordo ao Artigo 6.º (Comunicação) da Lei N.º 16/91 de 11 de Maio, LEI SOBRE O DIREITO DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO.

No entanto acredita que, de acordo ao normativo vigente, a correspondência oficial deva ser entregue no endereço da associação e durante a hora normal de trabalho. Infelizmente, a vossa carta foi entregue no domicílio do coordenador da OMUNGA às 21.00 horas. A OMUNGA aproveita para lembrar que o facto de o seu coordenador ter aceite receber tal carta, apenas serve para demonstrar, mais uma vez, a nossa abertura, educação e o espírito de sempre manter as portas abertas para o diálogo.

Por tal razão, e atendendo a que esse vosso procedimento antecedeu um dos inúmeros fins-de-semana prolongados, achamos por bem, responder-lhe de forma pública, garantindo-lhe que a mesma ser-lhe-á entregue a 05 de Abril de 2010 (segunda-feira) de forma formal.

Em primeiro lugar agradecemos a vossa amabilidade de ter recepcionado (no seu gabinete) a nossa carta às 16.00 horas. No entanto essa informação não nos é muito útil (aqui) já que, na secretaria do Governo provincial de Benguela (esta nossa carta) deu entrada antes das 15.00 horas, que corresponde ao horário da função pública em vigor no nosso país. Este é o facto que permitiu ao Exmo. Sr. Governador provincial (em exercício) ter recepcionado a referida carta.

Como forma de aproveitarmos esta correspondência para ajudar a que todos nós cidadãos angolanos, entendamos os nossos direitos e os conteúdos das leis que devem garantir tais direitos, achamos por bem transcrever na íntegra:
ARTIGO 6.º (Lei 16/91)
(Comunicação)

1. As pessoas ou entidades promotoras de reuniões ou manifestações abertas ao público deverão informar por escrito com a antecedência mínima de 3 dias úteis ao Governador da Província ou ao Comissário da área, conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital da província. (negritado e sublinhado é nosso)

2. Na informação deverá constar a indicação da hora, local e objecto da reunião e, quando se tratar de cortejos ou desfiles, a indicação do trajecto a seguir.

3. A comunicação deverá ser assinada por 5 dos promotores, devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de pessoas colectivas, pelos respectivos órgãos de direcção.

4. A entidade que receber o aviso passará documento comprovativo da sua recepção.

Se assim entendermos e interpretarmos a letra e o espírito da lei, a OMUNGA procedeu à entrega de informação exigida mas não solicitou qualquer pronunciamento do Exmo. Sr. Governador provincial de Benguela em relação a qualquer sua opinião sobre factos. Em momento algum solicitámos a vossa opinião sobre se acha ou não que na Província de Benguela não se registem “demolições, desalojamentos forçados, nem outros actos que colidam com a legislação vigente no País”. Embora, claro, noutros momentos nos interesse poder abordar tal assunto.

Entenda-se ainda que não lhe foi pedida qualquer autorização pelo que, o que cita no ponto 1 da vossa carta, “considera improcedente e não autoriza a realização da referida marcha de protesto” é desprotegido de qualquer respaldo legal.

Por outro lado, não nos foi passado qualquer documento comprovativo de recepção (da nossa carta) que a lei obriga.

Diz ainda a Lei N.º 16/91:

ARTIGO 2.º
(Definições)

2. Por manifestação, entende-se o desfile, o cortejo ou o comício destinado à expressão pública duma vontade sobre assuntos políticos, sociais, de interesse público ou outros. (o negritado e sublinhado é nosso)

Voltando à lei, esta não diz em momento algum que o assunto a ser objecto/fundamento da manifestação (entenda-se aqui, marcha) tem que ser de ocorrência na província onde se pretenda realizar tal acto.

Para esclarecermos ainda melhor. O Conselho Nacional da Comunicação Social (CNCS), em Deliberação Genérica/Março 2010, de 26 de Março de 2010 (de acordo a informação recebida do jornalista Reginaldo Silva), diz:

1. Condenar a posição obstrucionista assumida na cidade do Lubango pelo Governador da Huila, o Sr. Isaac Maria dos Anjos, por ter proibido que fosse feita a cobertura televisiva das demolições levadas a cabo pela sua administração, um acontecimento de relevante interesse público. (o negritado e sublinhado é nosso)

Se voltarmos novamente à interpretação da referida lei, mesmo que, em algum momento, a OMUNGA não considerasse existir em Benguela, acções (ou ameaças) de demolições e expropriações de terras contrárias à lei, as demolições, em si só, ocorram elas em qualquer parte do território nacional, ou não, são assunto de interesse público e argumento suficiente para a realização da marcha.

No entanto, contrariando tal suposição, a OMUNGA continua a acompanhar as acções e efeitos de demolições do B.º da Graça (Benguela), a destruição de lavras e expropriação de terrenos de milhares de cidadãos no B.º da Cabaia (Lobito), a ameaça de desalojamento de dezenas de milhares de pessoas da Damba Maria (Benguela), a situação miserável em que vivem milhares de cidadãos no recinto da ex. Feira do Lobito, as condições desumanas de centenas de jovens ainda assentados (pela administração municipal do Lobito) em tendas há mais de dois anos no B.º da Lixeira (Lobito) e a privatização do hospital pediátrico do Lobito e dos terrenos limítrofes, que traz graves transtornos à saúde e vida das crianças ali internadas, para citar apenas alguns exemplos.

Por outro lado e para terminar nossa argumentação, o Exmo. Sr. Governador apenas tem legitimidade para proibir a realização de uma manifestação (entenda-se aqui marcha), de acordo ainda à mesma lei (16/91), caso faça recurso ao argumentado nos artigos 4.º e 5.º, ponto 2, (ARTIGO 7.º).

Assim sendo, e considerando a vossa decisão ilegal, a OMUNGA solicita que reveja a vossa proibição e volta a informar que vai realizar a marcha “NÃO PARTAM A MINHA CASA” a 10 de Abril de 2010, sendo a concentração a partir das 13.00 horas, no parque frente às escolas, junto ao rio Curinge, partindo às 15.00 horas da designada “rotunda do liceu” (na avenida Agostinho Neto). Percorrerá a Avenida Agostinho Neto até ao cruzamento com a Avenida Comandante Kassanje. Irá pela Avenida Comandante Kassanje até ao cruzamento com a Avenida 10 de Fevereiro. Em seguida percorrerá a Avenida 10 de Fevereiro até ao Largo de África (junto ao Cine Monumental) onde terá o seu término.

No Largo de África, haverá diversas comunicações e momentos musicais.

A OMUNGA solicita toda a vossa colaboração junto das autoridades administrativas e policiais para o bom êxito da mesma, de acordo ao ARTIGO 9.º (Garantias do exercício dos direitos) da Lei 16/91, já aqui inúmeras vezes referenciada.

Sem qualquer outro assunto, subscrevemo-nos cordialmente.

José António Martins Patrocínio
Coordenador