Brasil: Sem PMDB, governo tem mais motivos para se voltar aos interesses populares

Afirma Ricardo Gebrim, coordenador da Consulta Popular

Para Ricardo Gebrim, o rompimento com a gestão Dilma já era esperado, mas sem tradição em ter base unida, peemedebistas ainda estão em disputa.

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Sindicato dos Qúimicos/SP

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Para o advogado e membro da Coordenação Nacional da Consulta Popular, Ricardo Gebrim, “é sem dúvida um momento difícil, mas era esperado que o PMDB rompesse”. No entanto, segundo ele, este também é o momento do governo retomar pautas à esquerda e mobilizar os setores que compreendem a importância da resistência.

Agora, segundo Gebrim, a possibilidade de barrar o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, que o governo acreditava ser possível através da articulação feita pelo ex-presidente Lula, se tornou mais complicada. “Sem dúvida que a saída do PMDB fortalece o impeachment, mas o PMDB nunca teve a tradição de atuar e ter controle de toda a sua base parlamentar”, explica.

O coordenador da Consulta acredita, porém, que a saída deste partido da base governista pode abrir uma brecha para a retomada do programa eleitoral que elegeu Dilma em 2014. Se o governo começar a assumir uma postura mais ousada, se ele dá essa guinada para o programa que foi eleito, eu acho que vai propiciando que as pessoas compreendam mais a natureza desse golpe”, afirma.

Confira alguns trechos da entrevista ao Brasil de Fato:

Brasil de Fato – Como fica o governo com a saída do PMDB da base aliada?

Ricardo Gebrim – Evidente que isso é uma notícia ruim, principalmente pelo impacto que ela causa e pela forma como ela foi feita. Esse procedimento do PMDB de aprovar a saída por aclamação é, na verdade, uma grande jogada. Mas, tradicionalmente, o PMDB sempre foi um partido que teve posturas divididas e evidente que essa não é uma posição unânime dentro do partido.

O que nós temos que considerar é que estão criando um clima de fato consumado. O grande noticiário de hoje, principalmente o da Rede Globo, que está na linha de frente, é como se fosse um fato consumado: “o impeachment está dado, é praticamente impossível reverter o impeachment”, mas o quadro não é esse.

A verdade é que a cada dia que passa aumenta a resistência, surgem mais elementos conscientes na intelectualidade, nos setores populares, no movimento sindical. Então, não está tão simples como eles estão dizendo.

Sem a presença do PMDB na base, teoricamente o governo perderia apoio no processo de impeachment. Como fica acredita que poderá ficar a votação na Câmara?

Sem dúvida que a saída do PMDB fortalece o impeachment, mas o PMDB nunca teve essa tradição de atuar e ter controle de toda a sua base parlamentar. Então, é bem razoável que uma boa parte dessa base não vá acatar o que o partido disser. 

Portanto, não dá para jogar a toalha nesse momento. Acho que tem alguns setores, alguns parlamentares que podem ser pressionados, tem setores que ainda podem ser convencidos. Eles têm que levar 342 deputados no dia da votação, pode ter parlamentar que não compareça. Isso não é tão simples assim. 

É sem dúvida um momento difícil, é um fato duro, é uma batalha complicada que perdemos no dia de hoje, mas era esperado que o PMDB se afastasse, rompesse e se articulasse em torno do Temer e do programa que eles estão lançando. A questão é que não quer dizer que o PMDB vai de forma unânime para o lado de lá. 

Sem os ministros do PMDB, que têm determinação de deixar o governo até o dia 12 de abril, como fica a composição do governo Dilma?

Sem o PMDB é mais um motivo para que o governo Dilma dê uma guinada e uma sinalização clara para os interesses populares. Assuma uma pauta que deixe claro seu compromisso com aquele programa que a elegeu em 2014, isso é fundamental. Se o governo não retomar essa sua pauta, se não for capaz, mesmo com essas dificuldades que tem hoje, com o Congresso paralisado, numa correlação de forças difícil, de apresentar medidas e planos que deixem claro que ele está disposto a construir com a maioria da população, com os setores populares, um outro projeto mais avançado, ele perde a capacidade mínima de mobilizar os setores que compreendem a importância da resistência.

O governo tem agora essa obrigação, livre do PMDB. Nada o prende neste momento de optar por medidas mais ousadas, que comecem a apontar para aquele governo no qual as pessoas votaram. 

É possível uma retomada à esquerda nesse momento de crise política e econômica?

As margens políticas são muito estreitas, evidentemente, tantos as margens econômicas, quanto as margens legais, uma vez que o Congresso Nacional, por onde passam muitas das medidas decisivas, está paralisado, apenas aguardando a votação do impeachment. Mas existe sim uma margem, que pode ser exercida, que pode ser anunciada. 

Existem medidas que o governo pode tomar de forma mais enfática, que mostrem à população que esse governo tem compromisso com as transformações populares, tem compromisso com o povo brasileiro. Acho que se o governo fizer isso, dentro dessa margem pequena, por menor que ela seja, acho que ele dá uma sinalização, que alimenta, dá força para muita gente que, nesse momento, está percebendo o que está acontecendo e começa a entender, a cada dia que passa, o que está em jogo no país.

É interessante que a maioria da população não sabe que o impeachment da Dilma não tem nada a ver com corrupção, nem com qualquer outra acusação de crime, é só um problema orçamentário das pedaladas fiscais. Esse fato é ignorado pela grande maioria da população, as pesquisas estão mostrando isso. Então, se o governo começar a assumir uma postura mais ousada, mais clara, se ele dá essa guinada para o programa que foi eleito, honrando os compromissos daqueles que nele votaram, eu acho que o governo vai propiciando que as pessoas compreendam mais o que está em jogo nessa disputa e compreendam mais a natureza desse golpe.

Como você avalia que os movimentos populares recebem a saída do PMDB do governo?

O PMDB oficializou, nesta terça-feira (29), a saída da base aliada do governo, dias antes da votação do impeachment contra a presidenta Dilma Roussef (PT). Sob a articulação do vice-presidente Michel Temer, peemedebistas deverão abandonar todos os postos ocupados no Executivo até o dia 12 de abril. 

Os movimentos nunca tiveram nenhuma esperança que o PMDB não traísse o governo. Nunca houve muita ilusão, principalmente que a figura do vice-presidente Michel Temer não tivesse uma postura de traição. Isso já era previsto, vinha se desenhando, e o próprio programa que o PMDB apresentou, com privatizações e mudanças do marco regulatório do petróleo, que é claramente neoliberal, já era uma sinalização do partido, para buscar compor essa conjunção de forças neoliberais que está empenhada no impeachment.

Na verdade, o que estamos percebendo é que a grande mídia está tentando criar, em torno dessa saída, a lógica do fato consumado, de que agora não tem mais chance de se resistir ao impeachment. Isso não é verdade, isso não é real.

Então, é possível dizer que as manifestações nas ruas devem ganhar corpo agora?

Primeiro, nós temos que exigir que o governo retome o caminho do programa que pelo qual foi eleito e até agora ele não demonstrou isso. Ele segue falando em ajuste fiscal, como se ele não estivesse compreendendo o momento histórico que estamos vivendo. E só tem um caminho hoje que pode gerar uma força social capaz de barrar o golpe: é a capacidade de mobilizar a classe trabalhadora, especialmente parar a produção e fazer mais do que atos. 

Os atos que foram feitos até agora, tanto contra quanto a favor do impeachment, eles se neutralizam no campo político. O único elemento diferencial que pode mudar essa qualidade é a paralisação de várias categorias importantes, um dia nacional de lutas que paralise a produção, como em julho de 2013, quando várias categorias importantes pararam. Isso pode mostrar aos setores golpistas, que haverá uma resistência forte, que ela tem uma base social.