O vice-presidente de Angola e o castelo das cartas de corrupção

O vice-presidente de Angola, Manuel Domingos Vicente, é suspeito de ter corrompido um magistrado português para que este arquivasse processos judiciais em que estava envolvido na justiça portuguesa. Trata-se de um crime de corrupção activa.

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Estranhamente, as autoridades angolanas estão caladas. Não há um Movimento Nacional Espontâneo de apoio ao Camarada Vicente. Quando, em 2014, o general da prostituição Bento Kangamba foi indiciado no Brasil, por suspeita de crime de tráfico internacional de mulheres, mereceu mais apoios internos. Em Portugal, onde Manuel Vicente enriqueceu uma casta selecta de oportunistas, chegando a ser adulado como um gestor do primeiro mundo, um homem de gostos refinados, não há nenhum movimento de relações públicas para o defender nos noticiários televisivos, nos comentários dos jornais, nenhuma noção de imperativo nacional para a defesa dos interesses portugueses em Angola.

Tenho pena de Manuel Vicente. É triste vê-lo só, apenas acompanhado pelo silêncio do Jornal de Angola, o fiel escudeiro da corrupção e da perfídia política dos dirigentes angolanos. Manuel Vicente acreditou na invencibilidade de José Eduardo dos Santos. Manuel Vicente passou a encarnar a impunidade que o presidente tem conferido aos seus leais para pilharem o Estado angolano e “comprarem” Portugal, entre outras aventuras pelo mundo fora.

Em 2013, Manuel Vicente deu uma rara entrevista ao Financial Times onde destilou arrogância. Perante a possibilidade de as empresas americanas e europeias terem de enfrentar problemas legais nos seus países por causa da sua participação em negócios com dirigentes angolanos, Manuel Vicente, julgou-se o topo do mundo: “É um problema deles, eles que resolvam.”

A corrupção domina o relacionamento entre as altas figuras do regime angolano, a elite e o empresariado português. E o mesmo acontece nas relações entre o poder e a sociedade angolana. Agora, aquilo que parecia ser a poção mágica do regime, garantindo-lhe o poder vitalício, com o mundo curvado perante a sua impunidade, riqueza, e venalidade, está a transformar-se no seu cálice de veneno.

Há alguns factores que merecem análise sobre o novo ímpeto das autoridades portuguesas, que coincide com a mudança de governo em Portugal, do Partido Social-Democrata (PSD) para o Partido Socialista (PS).

Quando o preço do petróleo estava em alta, acima dos US $100 por barril, a corrupção era bastante benéfica para Portugal, que recebia grandes injecções de capital saqueado à economia angolana. As construtoras portuguesas não tinham mãos a medir na realização de obras em Angola, com sobrefacturações extraordinárias. Dezenas de milhares de cidadãos portugueses encontravam empregos bem remunerados em Angola.

Havia vantagens mútuas.

Para a elite angolana, havia a ilusão de um colonialismo invertido: ao comprarem o poder político português, a sua comunicação social, bancos e outros veneráveis negócios, estavam no fundo a comprar Portugal e a ditar as regras do jogo.

Do lado de Portugal era uma festa. Finalmente, tinham encontrado o El Dorado, Angola era o novo porto seguro para a emigração massiva de portugueses, o segundo destino que mais remessas enviava ao país, depois de França. Para muitos, era o retorno à antiga colónia, que seria saqueada sem dó nem piedade, desta vez a mando do poder local.

Com a baixa do preço do petróleo, desvaneceu-se a ilusão. A corrupção em Angola ficou mais cara para Portugal, porque, afinal, os membros do regime angolano também estavam a saquear uma instituição portuguesa, o Banco Espírito Santo (BES), através do BESA. Distribuíram-se, entre si, mais de US $3 biliões de dólares em empréstimos que nunca serão pagos. Acabaram por ser os contribuintes portugueses a pagar a factura. Milhares de portugueses em Angola ficaram com vários salários em atraso por vários meses, as obras foram escasseando, as consultorias também e as dívidas para com as empresas portuguesas tornaram-se assustadoras. Agora, Portugal fica a perder com a corrupção institucional em Angola.

Não tem outro remédio senão enfrentar a besta. O milhão de euros que por tão pouco tempo melhorou a vida do procurador Orlando Figueira demonstra como o egoísmo de alguns pode destruir a credibilidade de um Estado. O anterior ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, chegou a pedir desculpas públicas aos dirigentes angolanos que estavam a ser investigados em Portugal. Afinal, também estava a defender os negócios entre o seu filho Miguel Machete e o filho do presidente José Eduardo dos Santos, José Paulino dos Santos “Coréon Du”. Era este o grau de promiscuidade.

O actual ministro dos Negócios Estrangeiros português, Santos e Silva, assume outra postura, a de fazer vincar a separação de poderes. “Não tenho nenhum comentário a fazer. Recordo que vigora, no nosso ordenamento constitucional, e bem, o princípio da separação de poderes e da independência do poder judicial”, declarou à imprensa.

Um azar nunca vem só. O caso de Manuel Vicente é o prenúncio da ruína do regime de José Eduardo dos Santos na arena internacional. Os três países mais importantes para a sua diplomacia e interesses económicos e geopolíticos são a China, Portugal e Brasil.

Em Outubro passado, a China deteve o famigerado Sam Pa, o chinês que durante muitos anos foi equiparado a vice-presidente de Angola. Manuel Vicente, o general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e o próprio presidente tinham demasiados interesses investidos em Sam Pa. Documentos sobre o caso de Sam Pa a que o Maka Angola teve acesso indicam que, de 2005 a 2010, a venda de petróleo angolano à China rendeu mais de US $85 biliões. Deste valor, segundo o relatório detalhado, US $25.7 biliões foram reportados como tendo sido divididos entre os dirigentes angolanos através de uma teia de esquemas tecida por Sam Pa.

No Brasil, a “Operação Lava-Jato” está a revelar o modo como o regime angolano se infiltrou na vida política brasileira de forma altamente corrupta, sobretudo através da Odebrecht. A detenção do casal João Santana e Mónica Moura, que realizaram a campanha eleitoral do MPLA em 1992, já levou à descoberta de que o MPLA efectuou pagamentos não declarados no valor de US $20 milhões, de um total de US $50 milhões. Até o ex-presidente brasileiro Lula da Silva foi apanhado na teia de corrupção com Angola.

Em suma, a corrupção é o grande movimento, a espada de Dâmocles que levará ao derrube da Corte de José Eduardo dos Santos. Não serão miúdos, opositores ou soldados que derrubarão essa casta de ladrões. Há um processo de autodestruição em curso.