É difícil aconselhar um líder que está sempre certo
“É difícil aconselhar um líder que está sempre certo"
É tarde da noite. Bobinga Iroko é incapaz de dormir. Ele está trabalhando no editorial para o próxima edição de O tambor falante. Ele, deliberadamente, recusou a lançar a história sobre homossexualidade. Sua prioridade ainda é a greve na Universidade de Mimbo, a qual, curiosamente, não atraiu muita cobertura do resto da imprensa nacional concentrada em Nyamandem e Sawang. Ele e O tambor falante, apesar dos obstáculos formidáveis que se punham diante si, estão determinados a empreender uma cruzada tal como um vaqueiro solitário, até o dia da vitória. Eles acreditam que o pôr do sol não deve ofuscar uma boa idéia.
Ele também luta com um obituário sobre a morte súbita, sob circunstâncias misteriosas, de um dos raros e genuínos intelectuais da Universidade de Mimbo. Desprezado pelas autoridades como “uma pessoa incrivelmente fútil, incompetente inveterado e um louco separatista,’ e conhecido popularmente com um “Guerreiro Intelectual”, Doutor CI (Caneta Inflamada) foi encontrado morto na noite passada em sua casa, com seu esqueleto esquartejado, seu cérebro e genitálias desaparecidos. Em sua transição de Caneta Inflamada para Caneta Sepultada, ele se parecia mais com a vítima de um assassinato ritual do que de um roubo. Dr. CI não tinha medo de fazer carreira limitando afirmações, e preferiria muito mais morrer do que virar uma vaca. Ele tinha um desprezo absoluto por aqueles que não estavam nem aqui nem ali em suas convicções, e àqueles que pareciam dizer coisas apenas para agradar do mesmo modo que um camaleão faz em sua vizinhança.
Para ele, tais pessoas eram superficiais, míopes e irrelevantes. Um crítico corajoso que uma vez descreveu a Universidade de Mimbo como o “cemitério do entusiasmo”, Dr. CI estava escrevendo um comentário intitulado “Eu acuso” quando foi morto no meio de uma sentença.
Dr. CI morreu fazendo aquilo que ele sempre fazia: lutar para fazer a diferença e fazer a diferença lutando. Para Bobinga Iroko e O tambor falante, Dr. CI morreu mantendo a esperança viva numa situação sem esperança, adicionando o peso de sua caneta para trazer um pingo mais de dignidade para a vida ordinária dos moradores de Mimbo, desnudados por uma pretensão rasteira, uma retórica estéril e seu vocabulário radical de ódio. Ele morreu lutando contra as batalhas que ele gostaria de ver outros lutando também contra após sua morte. Num contexto onde muitos intelectuais foram silenciados pela futilidade, pela virtude fácil, pela política estéril e uma impunidade irresponsável, CI era uma rara exceção que manteve-se ligado aos ideais de um intelecto genuíno, liberdade acadêmica e responsabilidade social.
Bobinga Iroko sempre se lembrará com carinho dos ensaios e contribuições de CI nas páginas de O tambor falante, os quais sempre foram objetivos sobre o que ele acreditava estar errado em sua terra natal, assim como eles também eram sobre aquilo que pudesse corrigir os erros. Logo, parece infeliz e irônico o fato de que CI morresse da forma tão cruel, e não dos excessos de seus ensaios e comentários que potencialmente o ameaçaria de morte. E foi também igualmente infeliz o fato de ele deixar a cena justamente quando estava pronto a dividir como mundo pessoalmente a riqueza de sua experiência sobre um país e uma comunidade universitária onde um governo relutante e aqueles cujos intelectos estavam adormecidos não teriam dó em descarrilar o trem da esperança e da dignidade humana.
CI epitomizava aqueles que recusavam estar de pé e ver o trem da esperança e da dignidade humana descarrilar. Ele estava lá por aqueles que prefeririam lutar a fugir (Não foi Bob Marley quem disse – aquele que luta e foge vive para lutar um outro dia?). CI, a carne e o sangue, pode ter morrido, CI, a Idéia, nunca esteve mais vivo. Isto pode ser visto na determinação e na resiliência dos estudantes da Universidade de Mimbo em manter incandescida suas ambições de liberdade acadêmica e a busca por melhora em equidade, dignidade e oportunidade para tudo e todos em conjunto.
Isto, tal como CI e outros que sacrificaram suas vidas sempre clamaram, requer certo calibre particular de liderança. Assim como CI enfatizou ad infinitum, qualquer líder, não importa o quão bom, precisam dos outros para compensar sua fraqueza. Um bom líder é aquele que encoraja os outros a liderar sem super dramatizar o fato de estar no poder. Ele ou ela é aquele que está cercado de pessoas com opiniões contraditórias de modo a se forçar a refletir, comparar e contrastar antes de se chegar a uma decisão.
O caminho à frente para a Universidade de Mimbo e para Mimbolândia, CI estressou naquilo que ninguém poderia ter imaginado que fora o seu último comentário nas páginas de O tambor falante, que foi por reconhecer que uma liderança não é exatamente sobre o líder. Trata-se do ambiente favorável que o líder cria para os experts em vários caminhos da vida e para todos aos quais ele oferece sua liderança. Um bom líder é aquele que consegue purgar-se da ilusão de que os chefes são necessariamente melhores que as pessoas abaixo deles. A modéstia é a chave principal para o sucesso em liderança, para que um bom líder imediatamente reconheça que ele ou ela precisa de apoio para liderar, e que um líder nunca lidera sozinho. “Liderança é mais um privilégio que um direito, uma vez que um líder é mais um servidor do que um senhor”, CI enfatizava, adicionando que apenas na Universidade de Mimbo e em Mimbolândia o contrário acontecia. “Com líderes que não têm nem modesta nem generosidade de espírito, que continuam no argumento da força e não na força do argumento, instituições secas e debilitadas, não pela falta de talento, mas pela falta de propósito”. A desgraça recai sobre o líder que tomar decisões sem consulta, e que exclui da liderança pessoas que têm muito talento porque ele ou ela tem medo de ser contradito ou por descobrir que nenhum individuo sozinho tem o monopólio de boa idéias.
“É difícil aconselhar um líder que pensa estar sempre certo”, argumentou CI, “há uma necessidade de criar circunstâncias nas quais outros líderes possam ser estimulados. Isso começa com a inclusão, com a sobriedade e a oportunidade para todos.” CI finaliza seu comentário com as seguintes palavras: “Nós sempre temos os líderes que merecemos ao conceder a indivíduos míopes o poder de silenciar a criatividade e a diferença que deveriam ser normais para edificar e fortalecer uma instituição, uma comunidade ou um país. A Universidade de Mimbo e o povo de Mimbolândia merecem um destino melhor do que a desgraça que se abateu sobre eles com perplexidade de uma mediocridade chamada liderança”.
* Francis Nyamnjoh é camaronês, romancista e Chefe de Publicações e Disseminação do Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África – (CODESRIA), Dakar. O livro Married but available está disponível em
** Traduzido por Alyxandra Gomes Nunes