Homenagem a Aimé Césaire
http://www.pambazuka.org/images/pt/articles/1/47719poet.jpgFoi uma felicidade intensa e profunda que eu senti pessoalmente desde minha chegada a Fort de France, em 23 de junho de 2006, para celebrar o 93º aniversário de Césaire, de me encontrar pela primeira vez na Martinica, terra da beleza, e de ter encontrado, eu até diria, de estar em presença de seu filho mais ilustre: Aimé CÉSAIRE.
Este 23 de junho será um dos momentos mais fortes e mais importantes de minha vida profissional, porque ele pertence a esses momentos gravados em letras de outro, na escala de toda uma existência humana, simplesmente.
Césaire? É a Negritude de pé para usar mais uma vez a expressão que ele utilizou para o Haiti: “...lá onde a negritude se põe de pé...fato singular, único no mundo que é a vitória dos escravos sobre seu mestre. Unicidade e universalidade da experiência negra.”
A questão da universalidade é de fato crucial, desde que nós falemos dos direitos do Homem, ou desde que falemos da Negritude, que no fundo, é a expressão de uma revolta simbolizando a singularidade da condição negra, ficando entendido que todos os oprimidos, rejeitados, vítimas da desigualdade, poetas insatisfeitos com o status quo, tal como Rimbaud d´Abissínia se inserem nessa condição. Entendemos que é através deste prisma que nós lemos e recebemos a negritude cesairiana. Escutemos o brado deste julgamento sobre Toussaint Louverture, aquele sobre quem nos fala nosso muito querido Aimé Césaire, “a Negritude se pões pela primeira vez de pé”, no Haiti.
Ao fim de Toussaint Louverture, nós lemos o seguinte « Quando Toussaint Louverture veio, foi para mostrar que não há raça pária ; que não há um país marginal, que não há um povo de exceção. Isso foi para encarnar e particularizar um princípio ; ou para o vivificar. Na história e no domínio dos direitos do Homem, ele foi o operador, o intercessor. Isso lhe assegura seu lugar, seu verdadeiro lugar. O combate de Toussaint- Louverture foi o combate pela transformação do direito formal em direito real, o combate pelo reconhecimento do homem e é por isso, que ele se inscreve e escreve a revolta dos escravos negros de São Domingos na história da “ civilização universal” ».
Vós concordaríeis comigo que, além dos temas expressos poeticamente, o pensamento mesmo de Césaire anuncia os princípios que podem servir de via para toda ação em favor da proteção e promoção dos direitos do Homem.
Que eco esta obra, esta vida de fogo poderia fazer no Brasil?
Neste propósito, pesquisadores eminentes opuseram diferentes caminhos da Negritude, aquela insurrecional, intelectual, cesairiana, haitiana, negro – americana à Marcus GARVEY, ou à Malcom X, poderíamos também dizer, de tom religioso ou rural do Brasil.
St. Clair DRAKE se perguntava, em 1979, durante o Primeiro Instituto de Estudos da diáspora africana, na universidade negra de Howard, organizado nos Estados Unidos (Universidade de Howard) sobre o estudo da diáspora africana : « deve-se fazer um esforço para inserir os brasileiros negros na rede de relações pan-africanas ou deve-se acordar a sua maneira de viver sua negritude, mais paroquial, com uma legitimidade própria ? »
Roger BASTIDE se colocava a mesma questão no final de seu livro Les Amériques noires (« les chemins de la négritude »), pois ele opunha o caminho da negritude vivida, enraizada, rural a uma outra, àquela das cidades e de seu proletariado negro ou dos intelectuais, todos desenraizados.
Alguns pesquisadores quiseram assim, ver recentemente na religiosidade afro-brasileira e de sua expansão nos Estados Unidos uma revanche desta Negritude, um pan-africanismo ritual.
Além do fato que, em certa medida, o Brasil é o primeiro país ‘africano’ da diáspora, ou do mundo, por seu tamanho, seus recursos, sua população, sua singularidade e lutas de emancipação dos negros do Brasil, de ontem e de hoje, é um campo de reflexão importante porque ele permita de esclarecer e de apreender o papel e o lugar do Brasil na negritude e no pan-africanismo. Ele permite de considerar diferentes « culturas políticas » no seio desses movimentos literários e políticos.
Eu gostaria de lembrar que, enquanto ele residia no Brasil nos anos cinqüenta, René DEPESTRE foi interpelado, poeticamente por CESAIRE por ter defendido a escolha formalista de seu camarada Aragon, pois é à revolução haitiana a que se referem estes famosos versos do poema « le verbe marronner »: « C‘est une nuit de Seine et moi je me souviens comme ivre du chant dément de Boukmann accouchant ton pays au forceps de l’orage ».
Toda coletânea de Noria, de (1976), exprime , aliás, a percepção de Césaire de uma negritude brasileira, notadamente à Bahia. Esta percepção diz respeito aos traços de africanidade brasileira, mas isso não exclui sua ligação direta, sem se equivocar, por exemplo , de Zumbi dos Palmares, o maior de todos os quilombolas, os fundadores do Quilombo de Palmares. Este herói nacional brasileiro é, de fato, um resistente à maneira de Toussaint LOUVERTURE.
No que concerne à época contemporânea, o professor Mamadou DIOUF, em sua muitíssimo importante comunicação na CIAD (I) , lembrou que até 1956, à ocasião do Primeiro Congresso de escritores e artistas negros, em Paris, não havia nenhum delegado brasileiro, ou mesmo sul-americanos nos grandes encontros pan-africanistas. Foi Jorge AMADO quem participou com trabalhos famosos no Congresso da Sorbonne.
Por outro lado, numa mensagem que a senhora Elisa Larkin NASCIMENTO, esposa do respeitadíssimo Abdias do NASCIMENTO, enviou a mim por correio eletrônico em 22 de fevereiro de 2006, ele sublinhava que a negritude fora sempre presente no combate de Abdias do NASCIMENTO, desde a fundação do Teatro Experimental do Negro (TEN) EM 1944. Vejamos pois, o que ela me escreveu :
"Fundamentalmente, eu diria que o lugar de Léopold Senghor (sic) e da negritude em nosso pensamento e em nossa luta, é historicamente proeminente. Mais recentemente, eles são um ponto de referência essencial. Abdias do Nascimento, Guerreiro Ramos e o TEN foram os principais, pode-se mesmo dizer, que as únicas vozes no Brasil nos anos 1940 e 1950 que defendiam as posições da negritude, num país onde este termo provocava surtos de indignação e de horror. É verdade que a Negritude que eles abraçaram fora adaptada à linguagem brasileira e certas realidades específicas dos africanos no Brasil, mais a referência ao movimento da Negritude estava sempre lá. A delegação oficial no festival mundial de artes negras de 1966 excluiu Abdias do Nascimento e o TEN, e delegou os intelectuais brancos para representar a nação em nome dos afro-brasileiro. Você conhece, sem dúvida, a carta aberta , enviada por Abdias do Nascimento ao Festival, publicada por Alioune Diop na Presença Africana. Ás vezes a crítica foi manipulada,por causa de uma postura ideológica que tendia a ignorar as realidades africanas específicas no mundo, como a experiência dos líderes pan-africanistas, tais como George Padmore e CLR James mostra bem. Nós tínhamos, ao contrário, a tendência a nos identificarmos com as vozes de Aimé Césaire e de Léon Damas, maid do que com Senghor, em razão de certas dimensões políticas de posição de Senghor, particularmente ao que concerte à Academia Francesa e vis-à-vis de Cheik Anta Diop. Tudo isso, claro, foi um quadro muito simplista para um problema complexo. Eu espero que tenha sido útil. »
Isso é só um testemunho, mas ele tem o mérito de exprimir, sem equívoco, como a Negritude, num contexto de negação, de negação de violências simbólicas e físicas, foi uma arma « milagrosa » para as vítimas afro-descendentes e seus aliados.
Para mim, é a transformação atual desta Negritude, fundada sobre e para a resistência às discriminações, de toda natureza, e às violações dos direitos do Homem, de todos os homens, sejam eles indígenas, de origem européia ou negros é a buca por soluções políticas e institucionais, tal como, por exemplo, a experiência pioneira do SEPPIR (Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Brasil), ou porque não, pela refundação do Instituto do Povos Negros de Burkina Faso. Que ele possa, efetivamente, se transformar em Instituto dos Povos da África e da diáspora, no qual a fala incandescente de Osíris Césaire transforme-se num eco de todos os imortais do pan-africanismo.
* Lazare Ki-Zerbo é membro do Comitê Internacional Joseph Ki-Zerbo
* Traduzido por Alyxandra Gomes Nunes
* Revisão Mariana Blanco Rincón
*Por favor envie comentários para [email][email protected] ou comente on-line em http://www.pambazuka.org