Novas tecnologias e a ameaça à soberania na África

Produzida em colaboração com o Grupo ETC, esta edição especial apresenta um conjunto de artigos que discutem a evolução impressionante na bio e nano tecnologia e suas implicações alarmantes para o continente africano e e para o Sul Global. Firoze Manji e Molly Kane delineiam a enorme dimensão deste "tsunami tecnológico", os imensos desafios para a autodeterminação da África e a ação dos ativistas para desafiar o assalto corporativo sobre a soberania da bioenergia.

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NASA

A África enfrenta hoje a ameaça de uma nova forma de conquista, uma conquista que está sendo possível graças à surpreendente revolução tecnológica na biologia, na física quântica, na química e na engenharia. Hoje, toda a matéria viva pode ser modificada através de engenharia genética; novas formas de vida criadas e lançadas no meio ambiente por meio da biologia sintética, as propriedades dos elementos e compostos drasticamente modificadas através da Nanotecnologia (tecnologias que trabalham na escala de átomos e moléculas) e da nano manufatura (criando, por exemplo, semicondutores em nível molecular, e até mesmo nano bombas não nucleares), e há uma convergência entre a nanotecnologia, tecnologias da informação e ciência cognitiva que potencialmente permite o desenvolvimento de implantes cerebrais para monitorá-lo ou até mesmo controlar nossos cérebros.

Ler sobre essa evolução é como a ler ficção científica. A diferença é que isso é real, está acontecendo agora. Estas tecnologias estão sendo desenvolvidas em um mundo que é totalmente desigual, em condições onde o acúmulo e o lucro imperam, permitindo que os ricos fiquem mais ricos a qualquer custo, enquanto a maioria empobrece. Eles têm se desenvolvido sob condições criadas ao longo dos últimos 30 anos que têm permitido às empresas monopolizar a fabricação em nível atômico - seja de matéria viva ou inanimada – e legitima a biopirataria corporativa em larga escala, com a África, um continente de extraordinária biodiversidade, sendo uma vítima significativa. Plantas que têm sido há muito utilizadas na África estão sendo patenteadas pelas corporações do Norte. Mas talvez o mais significativo de tudo para o continente é o fato de que os olhos das empresas estão procurando avidamente o lucro a ser alcançado a partir de centenas de bilhões de toneladas de matéria vegetal, que pode ser utilizada como fonte alternativa de carbono a combustíveis fósseis, permitindo a fabricação de combustíveis para os transportes, eletricidade, produtos químicos e plásticos, fertilizantes e todos os produtos que garantem o estilo de vida confortável do Norte, sob o pretexto de apoiar a "economia verde".

Ao comemorarmos 50 anos da independência de vários países na África, não podemos deixar de lamentar, ao mesmo tempo, a erosão gradual da autodeterminação e soberania que tem sido a conseqüência de 30 anos de programas de ajustamento estrutural, PRSP (protocolos de estratégia na redução da pobreza) e políticas econômicas neoliberais. Hoje, temos menos influência sobre a política econômica e social do que o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Banco Mundial e agências humanitárias internacionais. Mas as políticas econômicas neoliberais criaram precisamente "ambiente facilitador" para as empresas tirarem partido das novas revoluções tecnológicas e prosperar através da exploração dos recursos naturais da África – tanto vivos como inanimados.

As novas tecnologias, ou mais precisamente, o controle corporativo das novas tecnologias representa uma ameaça em potencial e em crescimento para o continente. Um continente que já sofreu uma turbulenta história de conquista colonial e conquista econômica sob o neoliberalismo enfrenta, agora, uma conquista tecnologicamente mediada pelos oligopólios.
É uma característica das revoluções tecnológicas que a escala completa das implicações sociais, econômicas e políticas do seu uso é pouco apreciada, até que, como a maré crescente de um tsunami, varre tudo em seu caminho. As conseqüências do que foi apelidado de "tsunami tecnológico" [1] precisa ser discutido publicamente e estratégias para combater estas tendências precisam ser desenvolvidas.

Estas tendências estão sendo desafiadas ao redor do mundo - nas comunidades locais, os movimentos nacionais e em reuniões globais das Nações Unidas como na Convenção sobre Diversidade Biológica e da Comissão sobre Segurança Alimentar da FAO (Food and Agriculture Organization). Cidadãos estão se unindo para expor os perigos dos governos cederem espaço às empresas para utilizarem novas tecnologias para resolverem problemas que, em sua raiz, exigem soluções social e política.

Em muitas partes do mundo, pessoas como a Coalizão para a Proteção de Recursos Genéticos da África (COPAGEN), na África Ocidental, estão se organizando para proteger os bens comuns, suas casas e seu futuro contra um prejuízo irreparável.
Esta edição especial do Pambazuka News, produzido em conjunto com o Grupo ETC [2] pretende armar aqueles engajados na luta por um mundo mais justo para se engajarem nos debates, discussões e diálogos que podem impedir a iminente conquista do continente, seus povos e seus recursos naturais.

Pat Mooney resume as principais tendências que estão levando para a 'geopirataria' dos bens comuns; Kathy Jo Wetter, explica tudo sobre a nanotecnologia; Oduor Ong'wen olha para a biopirataria e direitos de propriedade intelectual e Gareth Jones e Mariam Mayet examinam o desenvolvimento de biologia sintética, com especial referência à produção do medicamento antimalárico, Artemisinina. Jim Thomas analisa a moda da "economia verde" e explica o papel dos 'biomassters’. Khadija Sharife fornece estudos de caso detalhados sobre lucro das empresas no setor florestal na Tanzânia, bem como a forma como as biotecnologias estão levando a desapropriação no Quênia. Pat Mooney analisa criticamente o Programa das Nações Unidas REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) e como ele serve a interesses corporativos. Blessing Karumbidza mostra como a adaptação às mudanças climáticas e programas orientados a na África abriram novas formas de imperialismo de recursos. Anne Maina narra uma história pessoal sobre o Comitê para o Desenvolvimento Comunitário do Kathulumbi Seed Bank, no Quênia. Diana Bronson analisa as implicações para a África na geoengenharia, destacando as ações tomadas pela campanha "Hands off Mother Earth ". A resistência está crescendo não apenas na África, mas em toda a região Sul do globo. Silvia Ribeiro fala sobre as 35 mil pessoas que responderam ao apelo da Bolívia para a Conferência Mundial dos Povos sobre as Alterações Climáticas e os Direitos da Mãe Terra (PWCC), em Cohabamba, em abril de 2010.
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NOTAS

[1] Grupo ETC para o Centro Sul (novembro 2005), http://www.etcgroup.org/upload/publication/45/01/southcentre.commodities.pdf
[2] Sobre o Grupo ETC: http://www.etcgroup.org/
ETC Group é uma organização internacional da sociedade civil.

* Firoze Manji é editor-chefe do Pambazuka News & Molly Kane é vice-diretora do Grupo ETC.
** Texto gentilmente traduzido por voluntário do programa ONU E-volunteers do qual Fahamu/Pambazuka fazem parte.
***Por favor envie comentários para [email][email protected] ou comente on-line em http://www.pambazuka.org